sábado, agosto 05, 2006

A meu Irmão

Sonho que sou um cavaleiro andante
Por desertos, por sóis, por noite escura…
Paladino do amor, busco, anelante,
O palácio encantado da Ventura!
Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura…
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura.
Com grandes golpes bato à porta e brado:
- Eu sou o Vagabundo, o Deserdado!
Abri-vos, portas de ouro ante meus ais!
Abrem-se as portas de ouro com fragor…
Mas dentro encontro só, cheio de dor
Silêncio e escuridão… e nada mais…

Antero de Quental




O relacionamento fraterno é qualquer coisa que me escapa e não consigo encontrar um paradigma para a relação entre irmãos que foi controversa ao longo dos séculos. Dos amores incestuosos dos imperadores romanos ao «eram mais que inimigos, eram irmãos» de Pitigrilli, sobra o conceito de fraternidade de fundamentação cristã: os que têm o mesmos direitos e os mesmos deveres.

Meu irmão foi aquele que partilhou o mesmo útero que eu habitei, aquele menino meigo e doce que brincava comigo às casinhas, com quem partilhava os amigos nos jogos de cowboys, que jogava comigo «à bilha» no quintal de casa. E às escondidas. E ao fogo. E às cartas: ao burro em pé, ao diabo, à bisca de nove, ao crapaud. Ainda hoje jogo sempre com a mão esquerda porque aprendi com ele, que era esquerdino. Mais tarde o meu cavaleiro esbelto que arrancava suspiros às colegas de colégio, depois o padrinho escolhido para o meu primeiro rebento, e o meu irmão, sempre o meu Irmão.

Comemorar-se-ia hoje mais um aniversário se o seu corpo não tivesse sido colhido por um atrelado, numa qualquer estrada quente argelina, vão quase trinta anos. Mas ele está por aqui, cada vez mais por aqui, mora dentro da minha solidão, e aparece subtil nos meus sonhos a dormir ou acordada, na nossa Terra do Nunca, quase sempre menino, raramente o seu rosto lindo e sereno repousando no esquife imperturbável do aeroporto.

E se as lágrimas afloram, é exclusivamente porque eu não soube, em tempo, abrir-lhe o meu coração e dizer-lhe quanto ele era importante para mim e, principalmente, porque não o abracei o suficiente.

2 comentários:

naturalissima disse...

Que linda homenagem ao irmão, carregada de um grande e verdadeiro AMOR!
Parece-nos sempre que nunca dizemos exactamente o quanto é o nosso amor, e julgamos que os nossos abraços nuncam são suficientes....

A fotografia DIZ TUDO!
Gostei muito...
Um beijinho especial por este momento.
Bom fim de semana
Daniela

Anónimo disse...

Tão lindo!!! Felizmente eu tenho um "mano" para abraçar muito,mas o melhor é começar a treinar já...venha daí esse abraço,minha amiguinha.