Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas…
Ruy Belo
Três décadas depois do regresso, o saudosismo não me diz nada.
O tempo cobre tudo com um manto diáfano. Como a hera recobre já as ruínas da casa defronte, um resto de telha nos beirais, o interior a céu aberto. O telhado que sobra, pasto das ervas, de musgo no inverno, tem um sabor a quietude, solidão mansa, silêncio, respeito. A janela pequena fechada com tábuas já enegrecidas, a erva crescida balouçando ao vento, adornando as pedras de granito dos alicerces que a erosão desvendou.
É um cofre pousado no fim do arco-íris, donde brotam as cores fantasmagóricas onde cabem todas as memórias. Onde os mortos são vida, os sorrisos afagam, os risos ecoam e as lágrimas escorrem, nas faces, na vala, na lagoa, no rio.
Deixemos que seja assim.
Porque a vida continua.
No poste de fios que a civilização ergueu, um milhafre curioso arruma as asas e espera. Escuta os pardais em brigas de encantamento, descuidosos. Há um casal de rolas arrulhando no pinheiro longe, uma ou outra andorinha cruzando o céu, e só o pisco astuto se alarma e avisa o predador.
Tudo se aquieta agora porque a tarde chega ao fim.
O vento sopra refrescando o dia.
A noite cai, serena.