sexta-feira, julho 25, 2008

Brisas de Verão

Ao alvor, pelos riachos, quando voltares, o musgo
Tão puro dos seixos te celebrará e o espelho
Brumoso do quarto agitará os seus navios –
Aos continentes as especiarias do prazer e do sonho
Retornarão. No Egipto, os homens erguem pirâmides.
No Japão, transportam os pássaros o sémen vegetal,
Cartas de amor das cerejeiras. A noite, a luz.
O mel, a flor. Não se tocarão nunca e amam-se.
A tinta, a pena, não sentirão nunca e amam-te.

Andei pela casa à procura do teu pólen nos móveis.
Quando voltares, não esqueças os recados, o coração
Floral, os brincos e os anéis, os lábios e os livros.



Eis que chega o vento para refrescar o dia quente.

Sopra sem peias, deixando as folhas sem tino, balouçando os ramos, espalhando as pétalas, levando mais alto os jactos da rega dos jardins. Trespassa as ténues malhas que aconchegam os corpos, desfaz os cabelos, entra na pele, escorre na alma e arrepia os sentidos.

Volta do avesso o verão, escreve-o sem letra maiúscula, tira-lhe o estio das noites cálidas, dos passeios lentos pelas ruas, das conversas saborosas em torno dos gelados na esplanada – em vez do café que espanta o sono dos velhos.

Vou abrir as asas, estirar as pernas e alongar o pescoço, mirrar no espaço e desaparecer do continente. Levo os ouvidos, os olhos cheios duma cimeira lusófona na casa-mãe, quem dera haver pão para todos depois das luzes se apagarem da festa. Quem dera livros para todos, cadernos para todos, escolas para todos. E dinheiro para pagar a professores. Dinheiro fácil. Só uma percentagem mínima dos lucros das petrolíferas daria bem para motivar ao exílio de uns quantos, algumas centenas, já não direi milhares, vítimas do desemprego ou de emprego precário nesta Europa em que sobrevivemos.

Lamento que as duas maiores casas africanas não se dignassem fazer representar pelos chefes supremos. Outros valores mais altos se impuseram e não se prendem decerto com a cultura da língua portuguesa ou os cuidados de saúde que os seus povos merecem.

Até à volta.

segunda-feira, julho 21, 2008

Sabedoria


Não sou nada

Nunca serei nada

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo…

F. Pessoa



A sabedoria do Homen está em questionar-se. A si, aos outros homens, aos bichos, às plantas, ao planeta, às pedras, ao planeta em que mora, à galáxia a que pertence, ao universo.

E questionar é estabelecer oposições, geri-las. O bem e o mal existem? Sim, se baseado numa determinada moral, aceite e concebida pelos homens. Mas se quisermos olhar do alto, encontramos Einstein e relatividade de tudo o que envolve a dicotomia que preside à evolução.

A matéria (é) a energia, o corpo o espírito, a abundância a fome, a alegria a tristeza, o homem a mulher, a mocidade a velhice. Nenhum se conhece sem o outro, opostos completando-se.

Os velhos debitam a sabedoria dos anos, a certeza já da inexorabilidade da pedra rolando pela colina e o regresso duro, montanha acima. Sabem aproveitar a descida olhando o capim novo depois da queimada, sorvendo a água da fonte antes de ser contaminada, olhando o sol que o poente levou no espelho da lua, contando as estrelas que já não são, pedindo um desejo quando alguma parece riscar o céu. Há os que têm todas as certezas: do fogo que consome a floresta, da poluição sem retorno, do sol que vai perder a luz, da terra que vai gelar.

Os novos sabem a novo. Consomem velozmente o futuro sem viverem o presente ou sequer olhar o passado. Olham sobranceiros os velhos que nunca vão ser. Mas há os novos que são jovens e sonham como os meninos que foram os velhos. Esses caminham devagar seguindo as estrelas, ouvindo os rios cantar, dando a mão aos bichos, saudando as árvores mais altas.

Desses espero que saibam escolher as rotas, construir os ninhos, abrir caminhos novos sem danificar a paisagem.

quinta-feira, julho 17, 2008

Tudo Passa

Não quero rosas, desde que haja rosas.
Quero-as só quando não as possa haver.
Que hei-de fazer das coisas
Que qualquer mão pode colher?

Não quero a noite senão quando a aurora

A fez em ouro e azul se diluir.
O que a minha alma ignora
É isso que quer possuir.

Para quê?... Se o soubesse, não faria
Versos para dizer que inda o não sei.
Tenho a alma pobre e fria...
Ah, com que esmola a aquecerei?...

Fernando Pessoa



Devagar, com a solenidade dos anos que a vida nos dá, sem a contagem dos dias, das horas, dos minutos inquietos, o mundo tem outro sabor.

Mesmo sem casa, sem rumo, sem afectos, a revolta aquieta-se na sabedoria do inexorável. Vem a noção correcta de que tudo passa a seu tempo, que a vida dá lugar à vida porque ela nunca se detém, como o pensamento, como a água do rio que sempre encanta pois nunca se repete, atrás de uma água vem outra, daí o fascínio. E a água respeita o delinear das pedras, afaga as areias, aconchega-se no leito, entrega-se inteira ao mar que a espera.

Também nós temos de estar abertos ao respeito pelos outros, para que esses outros respeitem o espaço que construímos e a que temos direito até ao último respirar.

É hora de passar memória, excertos do tempo eterno dos homens, da consciência do que deixamos às gerações do presente que serão o futuro. Sábios serão os que souberem ler os recados, aprender a dança das abelhas, farejar o trilho das formigas; os que aprenderem o caminho de regresso à praia das tartarugas, dos salmões subindo o rio.

A morte acontece mas não pára a vida.

quinta-feira, julho 10, 2008

Navegar é preciso


Não faço (quem é parvo?) a apologia do mendigo;
não me bandeio (que eu já vi esse filme...)
com gerações perdidas.
 
Mas senta aqui, mendigo:
vamos fazer um esparguete dos teus atacadores
e comê-lo como as pessoas educadas,
que não levantam o esparguete acima da cabeça
nem o chupam como você, seu irrecuperável!
 
E tu, derradeira geração perdida,
confia-me os teus sonhos de pureza
e cai de borco, que eu chamo-te ao meio-dia...
 
Por que não põem cifrões em vez de cruzes
nos túmulos desses rapazes desembarcados p'ra morrer?
 
Gosto deles assim, tão sem futuro,
enquanto se anunciam boas perspectivas
para o franco frrrrançais
e os politichiens si habiles, si rusés, 
evitam mesmo a tempo a cornada fatal!

[…] Saber viver é vender a alma ao diabo,
a um diabo humanal, sem qualquer transcendência,
a um diabo que não espreita a alma, mas o furo,
a um satanazim que se dá por contente
de te levar a ti, de escarnecer de mim...
 Alexandre O´Neill



A marcha mais lenta no espaço – e mais veloz no tempo – do fim da estrada em que perfazemos os dias, deixa lugar para a contemplação do caminho percorrido.

Cada um de nós, como um insecto, cumpre as metamorfoses e constrói o seu casulo, mais ou menos tecido, mais ou menos perfeito na sua forma. Seja na aridez do deserto ou na humidade das margens frondosas do rio ou ainda na fundura das neves ou dos mares, o ninho foi tomando forma. Viver no campo, na escarpa da montanha alta olhando o vale ou na grande metrópole novaiorquina, cada ser se enrola na sua teia de seda, algumas de janela aberta por uma simples máquina, passível de ser desligada ao menor sopro de vento.

Mesmo quando a borboleta acontece em insecto perfeito, o caminho difere porque as asas também, e se o perfume apela à distância, nem sempre o vento corre de feição. Então é preciso ainda lutar quando os olhos pintam de azul as flores, de vermelho os céus e de verde as chamas. Quando as lágrimas toldam o riso e se abraça o sonho de que já não se acorda.

Assim é o caminho dos homens e dos bichos.