Ao alvor, pelos riachos, quando voltares, o musgo
Tão puro dos seixos te celebrará e o espelho
Brumoso do quarto agitará os seus navios –
Aos continentes as especiarias do prazer e do sonho
Retornarão. No Egipto, os homens erguem pirâmides.
No Japão, transportam os pássaros o sémen vegetal,
Cartas de amor das cerejeiras. A noite, a luz.
O mel, a flor. Não se tocarão nunca e amam-se.
A tinta, a pena, não sentirão nunca e amam-te.
Andei pela casa à procura do teu pólen nos móveis.
Quando voltares, não esqueças os recados, o coração
Floral, os brincos e os anéis, os lábios e os livros.
Eis que chega o vento para refrescar o dia quente.
Sopra sem peias, deixando as folhas sem tino, balouçando os ramos, espalhando as pétalas, levando mais alto os jactos da rega dos jardins. Trespassa as ténues malhas que aconchegam os corpos, desfaz os cabelos, entra na pele, escorre na alma e arrepia os sentidos.
Volta do avesso o verão, escreve-o sem letra maiúscula, tira-lhe o estio das noites cálidas, dos passeios lentos pelas ruas, das conversas saborosas em torno dos gelados na esplanada – em vez do café que espanta o sono dos velhos.
Vou abrir as asas, estirar as pernas e alongar o pescoço, mirrar no espaço e desaparecer do continente. Levo os ouvidos, os olhos cheios duma cimeira lusófona na casa-mãe, quem dera haver pão para todos depois das luzes se apagarem da festa. Quem dera livros para todos, cadernos para todos, escolas para todos. E dinheiro para pagar a professores. Dinheiro fácil. Só uma percentagem mínima dos lucros das petrolíferas daria bem para motivar ao exílio de uns quantos, algumas centenas, já não direi milhares, vítimas do desemprego ou de emprego precário nesta Europa em que sobrevivemos.
Lamento que as duas maiores casas africanas não se dignassem fazer representar pelos chefes supremos. Outros valores mais altos se impuseram e não se prendem decerto com a cultura da língua portuguesa ou os cuidados de saúde que os seus povos merecem.
Até à volta.