segunda-feira, novembro 22, 2010

Pétalas de Outono

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

Carlos Drummond de Andrade


 O vento sopra em desatinos arreliando as roseiras que insistem em dar flor. 

As pétalas pousam e esperam que o sol as queime ou a chuva as escureça e então se apertam ao chão que as abraça para renovar a terra.

Como o poeta canta, elas vivem o presente e dão cor às pedras, enfeitam o verde enquanto são viçosas.

Há tempestades no céu que se adivinham, mas por enquanto as nuvens vagueiam mansas entre pedaços de azul, de cor cinzento escuro mas debruadas a branco luminoso, em folhos brilhantes como saiotes reflectindo o sol.

Uma vez só questionar o futuro ou o passado, traz arrepios que o vento transporta. 

Assim, entre cinzas e escolhos, sejamos solidários, dancemos com ele.

domingo, novembro 14, 2010

Fidelidade

Diz-me devagar coisa nenhuma, assim
como a só presença com que me perdoas
esta fidelidade ao meu destino.
Quanto assim não digas é por mim
que o dizes. E os destinos vivem-se
como outra vida. Ou como solidão.
E quem lá entra? E quem lá pode estar
mais que o momento de estar só consigo?

Diz-me assim devagar coisa nenhuma:
o que à morte se diria, se ela ouvisse,
ou se diria aos mortos, se voltassem. 

Jorge de Sena


Muda a paisagem e o olhar é novo, desvenda-se o casario colina acima, não apenas de brancura, mas cores fortes quebrando a monotonia, lembrando os novos tempos e os novos gostos.

Não mais os choupos respondendo ao vento, dobrando-se em vénias, semeando brancura nas primaveras, não mais os braços vazios enfeitando as nuvens por entre a bruma nos invernos frios, apenas um choupo varrendo as folhas balouçadas pelo chão, quem sabe chorando penas e ausências.

Nem melhor, nem pior, apenas diferente.
Como por dentro tem de mudar o que quer manter-se inteiro, não mais a plenitude e a força, mas a dignidade que o tempo não apaga e segue escolhendo o caminho das pedras que afloram para a travessia do rio que não se detém, mau grado a poluição que lhe tira o brilho. Mas as rochas estão lá, de pedra, firmes, cada vez mais a erosão dos ventos fortes, das águas moendo as arestas lhes dá a doçura do toque, a beleza do arredondado, quantas vezes vestindo de musgo os tons de cinza e negro.

A fidelidade ao que somos é um suspiro de vida, é um refúgio de ternuras e carências, de lágrimas e de risos, é a escrita real da nossa presença no mundo, sem outro espaço que o de partícula no núcleo. O átomo, somos nós.


terça-feira, novembro 09, 2010

Marcas, marcos


E ao entardecer, quando se firmar no alto dos pinhais a tentadora coroa de nuvens, não abrirei o meu caderno de apontamentos, e menos ainda a Monografia. Ficou-me de emenda. Para a próxima terei o cuidado de escolher outra leitura, de preferência um canto de alegria. Um livro deste tempo e desta hora, que não traga a lagartixa na portada como um ex-líbris ou como uma pluma imposta sobre o granito.

José Cardoso Pires in «O Delfim»


Não gosto de ouvir o vento a bater nas janelas despudorado a silvar nas frinchas em assobios.

Ele é o arauto do inverno, traz a chuva e o frio, despenteia as árvores e verga-as, leva-lhes a roupagem deixando-lhes os braços nus. Inquieto e repentino, como vem assim desaparece, levando consigo as nuvens. Limpa o céu, deixa pousar o frio e a geada.

É tempo do vinho novo, das castanhas, das azeitonas para colher, que o Natal vai precisar de azeite para as filhós e para acender as candeias. É hora de trazer para casa as pinhas e a lenha para a lareira.

A preciosidade destas fainas vai-se apagando com cada geração que passa, os ventos do progresso levam as cinzas que repousam depois do lume. Não há forma de escapar-lhes, há que seguir com eles sob pena de sucumbir à solidão e ao atraso (?)
.
À medida que os anos somam, as encruzilhadas da vida retêm pegadas que ajudam ao caminho a seguir, assim saibamos ler os sinais.


segunda-feira, novembro 01, 2010

Louvor de Halloween

 


Quando eu vir vaguear por dentro da casa
o abeto que cresceu no bosque, hei-de
ajoelhar no soalho. Todas as coisas
comunicam entre si a totalidade das suas formas.
A mão que vai surgir do abeto apontará para mim.

Tenho de despir as tiras de brocado que envolvem as veias,
as cadeias de ouro dos rins. Deixar
que as unhas longas da árvore passem
entre mim e o imo dos quartos interiores da casa.

Se essa figura imponente, a árvore, me reconhecer,
vou interromper o que escrevo, esperar ansiosa
atracção que a insónia desse vulto
há - de exercer sobre mim. Rodo
até à tontura da morte.
Torturo-me
até à alegria. Encontro na casa
o tema da despossuição e a agonia.

A pobreza antiga com que o corpo cai
para uma vala. Preso apenas às pérolas
que tinem nas orelhas. Dante deixou-nos resvalar,
com os cânones clássicos, como se o poema
fosse uma escada. É-o, quando as figuras austeras
da Natureza perseguem os mortais. Querem confirmar
a sua configuração. Querem ser
reais, quando se aproximam.
Vai para diante da minha face, ao fundo.
Vem dos recantos, onde já não é a silhueta volúvel
enovelada pelo vento, à janela. Com lentidão
arrasta a forma táctil até à passagem do poema.

Sou eu que me vergo ao domínio.
Que me poise a marca incandescente na testa.
Tocará na meninge como num cofre.
Aceito coroas para depor sobre mim.
Deixo os pés do abeto empurrar
com a biqueira violetas. A fragrância
delas leva-me a imaginar poemas
em branco. Depois de percorrer um longo encadeamento
de sílabas sou outra. Vejo assomar a natureza nua.

 
Fiama Hasse Pais Brandão