Todo aquele que abre um livro entra
numa nuvem
ou para beber a água de um espelho
ou para se embriagar como um pássaro
ingénuo.
A sôfrega retina vai-se tornando
felina e inflada
e os seus liames tremem entre o
júbilo e a agonia.
Um livro é redondo como uma serpente
enrolada
e formado de fragmentos onde lateja
o sangue de um pulso
que já não é de um autor que nunca o
foi
e que será sempre o ritmo do que
está a nascer
irrigando o nada e os terraços sobre
os abismos.
António Ramos Rosa
Abre-se o
sol numa outra madrugada para iluminar os espelhos de água, saído de uma nuvem
qualquer onde um pássaro, por seu livre arbítrio, se embriaga de pérolas de
água, rodopiando depois nas correntes de vento que lhe sopram o rumo.
Dos sonhos,
das inebriações de prazer, emergem soluços como ruídos da fogueira alta na rua,
as chamas crescem do âmago dos troncos abrindo neles grutas de luz onde o olhar
se prende, se esgueira pelas tonalidades da cor, enquanto o calor se enrola e
desprende fagulhas que sobem e logo descem semeando cinzas por sobre os ombros,
os cabelos, leves, leves.
Há então uma
paragem no tempo, uma suspensão de todos os pensamentos, apagam-se as memórias,
a lua empalidece e as estrelas não cintilam, como se o universo fosse apenas
aquela caverna brilhante na cova dos cepos, a gruta que atrai e que fere, que
purifica porque tudo desfaz em pó.
Assim chega
num repente o recomeço, mais uma translação do mundo, a rodar em noites e dias
numa sucessão eterna para os mortais que somos, cá dentro as contradições dos
tempos, as recordações da infância, os destemperos das vidas, as desilusões que
o tempo não apaga, os contentamentos, os desenganos.
Que venha
2013. Que venha em paz e nos traga força para lutar por um tempo melhor.