Se as mãos pudessem (as tuas,
as minhas) rasgar o nevoeiro,
entrar na luz a prumo.
Se a voz viesse. Não uma qualquer:
a tua, e na manhã voasse.
E de júbilo cantasse.
Com as tuas mãos, e as minhas,
pudesse entrar no azul, qualquer
azul: o do mar,
o do céu, o da rasteirinha canção
de água corrente. E com elas subisse.
(A ave, as mãos, a voz.)
E fossem chama. Quase.
as minhas) rasgar o nevoeiro,
entrar na luz a prumo.
Se a voz viesse. Não uma qualquer:
a tua, e na manhã voasse.
E de júbilo cantasse.
Com as tuas mãos, e as minhas,
pudesse entrar no azul, qualquer
azul: o do mar,
o do céu, o da rasteirinha canção
de água corrente. E com elas subisse.
(A ave, as mãos, a voz.)
E fossem chama. Quase.
Eugénio de Andrade
No leito das palavras moram todas as emoções, pousam todas as sensações colhidas pelos espaços do sonho e da verdade, descansam todas as inquietações e desassossegos que se aquietam entre a trama dos tecidos, aquela rede fina onde se afundam e se perdem na memória do tempo.
As insónias não são mais que o acordar desses monstros que crescem com o escuro, se alimentam da solidão e do medo, predadores impiedosos duma razão nem sempre edificada em conformidade com a natureza anterior a nós, antes instituída por uma racionalidade impiedosa, como o homem constrói o seu ninho em paredes lisas com arestas duras afrontando os caminhos do vento, onde só o arquitecto catalão consegue espelhar o exemplo das pedras e das grutas, dos covis e das luras, dos ninhos dos pássaros.
Só depois as ruínas são adoçadas pelos anos, limadas pelos ventos, esboroadas pelas chuvas, as ruínas onde crescem os tons belos do musgo e o espreguiçar das silvas, onde se aspira o odor da madressilva nas primaveras de cada ano. Já não abrigam o ser que domina a terra, mas é o paraíso dos que fazem da terra um paraíso para quem domina. Por enquanto.