Eu quero ser a névoa que se ergue
Para te ver
A humanidade sofredora é cega –
O resto é apenas ser...
Fernando Pessoa
A lua serrada ao meio na escuridão da noite traz os silêncios que as estrelas dizem sobre os caminhos perdidos da infância, sobre os pedestais erguidos em areia molhada que o mar apaga quando as ondas batem nas marés vivas.
Há uma guerra que soa e atroa nos campos da memória, os amigos enganados na defesa de ideais perdidos, outros fugidos sem saberem o fim tortuoso que os acompanhou com a velha da foice lembrando, na encruzilhada de um qualquer aeroporto da vida, que o desfecho estava assinalado no fim da viagem para Pasárgada. Há os que ficaram à espera da justiça, da benevolência dos que se diziam humanos mas deles só viram a iniquidade.
E os outros. Aqueles outros que não marcaram encontros e repousam no fundo das campas nem sequer assinaladas com a cruz, lá onde se disse que esses dois paus cruzados representavam a vida a ser gozada depois, quando o corpo se misturasse com a terra de onde vieram. Querem os que acreditam resgatar ainda o que nada é, sem a memória dos que lhes deram a vida, sem a glória por que lutaram, sem o reconhecimento sequer daqueles a quem eles próprios legaram não mais que o nome.
Eu não gosto do silêncio dos bichos. Mas o silêncio dos homens é de ouro quando se trata de respeitar os seres que os rodeiam, principalmente os seus iguais. Ninguém tem o direito de usar os outros, ninguém tem de fazer nada com eles. Isto é ainda e sempre uma questão de educação que não tivemos, que continuamos a não ter. É uma questão veiculada pela religião que os homens construíram para seu bel-prazer, uma questão que deveria ser de simples humanidade. Respeitar o outro; mas antes, respeitarmo-nos a nós. Somos nós que decidimos sobre o que queremos ser. Ouvir a opinião dos outros é uma coisa; decidir é algo que compete apenas a nós próprios.
Isto deveria ser ensinado desde a infância. Aprender a responsabilidade do que queremos ser. Do que decidimos ser.