terça-feira, outubro 23, 2012

A PALAVRA MAIS CERTA




A arte, mistério impenetrável, não cabe na razão lógica e qualquer tentativa de a desmontar será sempre inútil. Se fosse possível desmontá-la não seria arte.

António Lobo Antunes


Nem sempre as palavras certas surgem no momento em que estamos preparados para as receber ou, visto da outra face, nem sempre a palavra mais certa acontece com a precisão no momento em que desejaríamos que nada falhasse.

Por vezes a comunicação aparece com um qualquer ruído e há uma sintonização que é preciso fazer, rodando o botão e escutando atentamente até encontrar a pureza da voz. Basta um pequeno gesto e tudo se acerta.

Ou então, mal se solta a palavra, ela bate nos tímpanos e o som daquela voz, apenas o som nos preenche, apaga todos os ruídos de fundo, o mundo se apaga para tudo o resto, tudo deixa de existir. Esse é o momento mágico.

António Lobo Antunes escreve regularmente crónicas que, não raro, deixam uma mensagem que preenche qualquer coisa que nos é comum, que poderia ser comum, parece ser também nossa, nunca a saberíamos dizer assim, mas sabemos assim senti-la. São os tais momentos mágicos que constituem o prazer da leitura, a simbiose perfeita com o narrador.

Esta semana ALA quis dizer adeus, ou antes, quis anunciar um adeus que não me apareceu bem sintonizado, não me tocou como um adeus às letras, soou ao meu entendimento apenas como algo escrito para ser lido por quem não sente.

Escrevo eu agora também redondo, nem sempre as palavras certas surgem no momento em que estamos preparados para as receber.

sábado, outubro 13, 2012

FICAR DE PÉ


Tantas vezes pugnei neste espaço pelo regresso às origens, pela observação da natureza e dos simples na resolução de pequenos nadas que podem degenerar em males maiores, que finalmente fui ouvida.

Eu sei quanto é difícil gerir este mundo em convulsão, eu sei como é difícil curar a enxaqueca sem tamanho do nosso país, daquelas que nem permitem abrir os olhos e olhar a luz. Sei por experiência que há um momento certo para a evitar, fora do qual foge ao nosso controlo e é preciso esperar com paciência e com dor que tudo passe. O tempo que tudo cura, o mal de amor a dor da ausência a pujança da vida.

Nasci na grande guerra, cresci no estado novo, vivi a revolução de abril em ânsias de alegria e mágoas. Na curva descendente do meu processo de vida pessoal, confronto-me agora com a subtileza de um pesar maior que supera o provocado pela cura imposta e ilustrada acima. É deprimente, é arrasador, ver os governantes do meu país, o presidente da república, o primeiro ministro, os ministros, cercados de policiais e cerrados nas suas torres de marfim como qualquer ditador do chamado terceiro mundo.

Só há democracia com a voz do povo, com a força do povo, e o povo português já não é analfabeto. O povo português compreende a situação que se atravessa em Portugal, na Europa e no mundo e tem dado provas disso. O povo português sabe e pode ajudar na solução da crise sem perder a dignidade.

E violência, não é preciso.

quarta-feira, outubro 03, 2012

MARCAS DA VIDA


Sobe de um maciço de outros cactos rasteiros, de folhas grandes carnudas, e é belo assim solitário no ar. Fala com o mar por cima da casa, eu ouço. Ou não diz nada e eu ouço também. É belo olhá-lo sempre que o olho pela primeira vez, no seu delírio de Deus. Ou acena aos barcos que passam ao largo e lhe levam o aceno para todos os possíveis da Terra. Mas o que mais me fascina é a visibilidade do mar. Sobretudo quando o olho de dentro de casa, para cá do parapeito da janela, donde ele não tem o ininteligível todo. Porque fora, leva-me consigo e larga-me à desorientação que é imensa como um susto infantil.

Vergílio Ferreira in «Na tua Face»


 Olho a beleza final da rosa vermelha que foi botão quase negro. Não sei o porquê, nunca consegui fixar-lhe a cor na máquina fotográfica, não a tonalidade que os meus olhos vêem. Já tentei a madrugada, o sol-pôr, o céu nublado e o sol vibrante. A cor que eu vejo, a objectiva não capta. Serão os meus olhos preconceituosos?

Tão difícil como fazer passar uma mensagem. Tão fácil como encontra-la visível naquilo que é dito com intenção diferente da que aparece, tudo produto da inteligência dos homens que encontra caminhos que Deus não conhece.

O céu mantém-se teimosamente escondido no cinza das nuvens que pairam altas e com elas, abaixo delas, vejo uns pássaros que voam alto, que planam, que não consigo identificar mas que comprovadamente não são aves de rapina pois não andam em grupo, não são gansos nem patos selvagens, nem corvos, menos ainda andorinhas ou pombos. Tenho quase a certeza de que são gaivotas e não compreendo o que procuram elas por aqui, não creio que haja tão grandes tempestades no mar para que procurem a terra larga.

Olho a rosa vermelha e comparo-a com a que desabrocha ao lado, rosa realmente cor-de-rosa, mais pura, mais fina, perfeita no mesclado a branco, mais invulgar, porventura mais bela. Porém mais frágil, mais breve, desfolhada à mais leve brisa.

Como os Homens, que não devem ser marcados pelos anos que regista o calendário, antes pela força que emanam, pela cor da sua mente, pela bravura em arrostar as brisas os ventos o sol que lhes não queima a pele. Apenas enruga, escurece, embranquece. Os anos deveriam ser contados pelas pescarias, pelas caçadas, pelas guerras, pelos exílios, pelos regressos. Contados pelas perdas, pelos êxitos, pelos insucessos.

E um dia acabar naturalmente, desprender a última pétala, como uma rosa vermelha.