quarta-feira, outubro 03, 2012

MARCAS DA VIDA


Sobe de um maciço de outros cactos rasteiros, de folhas grandes carnudas, e é belo assim solitário no ar. Fala com o mar por cima da casa, eu ouço. Ou não diz nada e eu ouço também. É belo olhá-lo sempre que o olho pela primeira vez, no seu delírio de Deus. Ou acena aos barcos que passam ao largo e lhe levam o aceno para todos os possíveis da Terra. Mas o que mais me fascina é a visibilidade do mar. Sobretudo quando o olho de dentro de casa, para cá do parapeito da janela, donde ele não tem o ininteligível todo. Porque fora, leva-me consigo e larga-me à desorientação que é imensa como um susto infantil.

Vergílio Ferreira in «Na tua Face»


 Olho a beleza final da rosa vermelha que foi botão quase negro. Não sei o porquê, nunca consegui fixar-lhe a cor na máquina fotográfica, não a tonalidade que os meus olhos vêem. Já tentei a madrugada, o sol-pôr, o céu nublado e o sol vibrante. A cor que eu vejo, a objectiva não capta. Serão os meus olhos preconceituosos?

Tão difícil como fazer passar uma mensagem. Tão fácil como encontra-la visível naquilo que é dito com intenção diferente da que aparece, tudo produto da inteligência dos homens que encontra caminhos que Deus não conhece.

O céu mantém-se teimosamente escondido no cinza das nuvens que pairam altas e com elas, abaixo delas, vejo uns pássaros que voam alto, que planam, que não consigo identificar mas que comprovadamente não são aves de rapina pois não andam em grupo, não são gansos nem patos selvagens, nem corvos, menos ainda andorinhas ou pombos. Tenho quase a certeza de que são gaivotas e não compreendo o que procuram elas por aqui, não creio que haja tão grandes tempestades no mar para que procurem a terra larga.

Olho a rosa vermelha e comparo-a com a que desabrocha ao lado, rosa realmente cor-de-rosa, mais pura, mais fina, perfeita no mesclado a branco, mais invulgar, porventura mais bela. Porém mais frágil, mais breve, desfolhada à mais leve brisa.

Como os Homens, que não devem ser marcados pelos anos que regista o calendário, antes pela força que emanam, pela cor da sua mente, pela bravura em arrostar as brisas os ventos o sol que lhes não queima a pele. Apenas enruga, escurece, embranquece. Os anos deveriam ser contados pelas pescarias, pelas caçadas, pelas guerras, pelos exílios, pelos regressos. Contados pelas perdas, pelos êxitos, pelos insucessos.

E um dia acabar naturalmente, desprender a última pétala, como uma rosa vermelha.

1 comentário:

Manuel Veiga disse...

o homens deviam ser, sim. como dizes...

... náufragos de um tempo de cinza. embora...

bela a tua escrita. delicada e sensivel. como pétala tombando na tarde...

beijo