quinta-feira, maio 25, 2006

Prémio Camões 2006

(…)

– Manos

Rosa peixeira
quitandeira Maria
você também
Zefa mulata
dos brincos de lata
– Luanda onde está?


Sorrindo
as quindas no chão
laranjas e peixe
maboque docinho
a esperança nos olhos
a certeza nas mãos
mana Rosa peixeira
quitandeira Maria
Zefa mulata
– os panos pintados
garridos, caídos
mostraram o coração:

– Luanda está aqui!

Luandino Vieira


A José Luandino Vieira foi atribuído o prémio mais alto que distingue os escritores de Língua Portuguesa – o Prémio Camões – e eu não poderia deixar de o referenciar aqui, porque afinal este é um lugar onde faço questão de divulgar sempre uma pontinha do que há de bem escrito em Língua Portuguesa.

Porém Luandino, pseudónimo que adoptou em louvor à sua cidade natal de adopção, pois nasceu em Portugal, algures perto de Fátima, recusou o galardão.

É injusto, dirão aqueles que pensam nos cem mil euros do prémio, se distribuídos pela miséria que grassa na «sua» Luanda, na terra imensa a quem ele dedicou a sua vida e a sua obra. É justo, dirão aqueles que conhecem o seu percurso de vida e que sabem que um homem como ele, não se entrega, não deixa de lutar, não esquece. Mesmo septuagenário.

É que ele sabe, ele tem a noção correcta da sua escolha. Lutou pelo MPLA, passou anos no Tarrafal, foi a força da sua escrita que fez encerrar a Sociedade Portuguesa de Escritores após a decisão de atribuir, em 1965, do Prémio de Novela ao livro «Luuanda». E não é o primeiro na recusa deste prémio, outros o fizeram antes para demarcar as suas fronteiras.

É que ele sabe, como outros sabem, que isto não passa de um prémio de mentira, de fachada, de política. Não atribuem agora o prémio a Luandino pelo valor da sua escrita; é principalmente porque escolheu ser angolano, porque escolheu ficar em Angola, porque pôde ficar em Angola, porque é respeitado em Angola. E porque Portugal precisa. Agora.

Então, se Luandino escolheu, ele lá sabe, e bem mais do que eu.

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