quinta-feira, maio 11, 2006

É preciso chuva para florir...

«Peço-te que cases comigo perante África, sob o rumor e a bênção de um embondeiro; e que caminhemos descalços sobre a alegria das coisas simples, que sejamos um do outro até o crepúsculo dos dias se fechar em nós, até mesmo que as pernas nos tremam com o peso da idade e a porta da nossa casa se transforme na fronteira mais distante, e arrastemos, vacilantes, os pés até chegarmos junto dela; que não haja nostalgia daquilo que já não podemos fazer, nem saudade, nem melancolia, porque somos o princípio e o fim um do outro, e assim nos completamos cumprindo a vida e a nós próprios. O mundo somos nós…»

Eduardo Bettencourt Pinto

O mundo somos nós. Só esta frase foge à poesia da escrita, só esta frase é real, verdadeira, palpável.

Tudo o que se escreve está para além do nosso entendimento porque nós queremos dizer o que nunca poderemos compreender porque o que não vivemos, naquele lugar, naquele espaço, naquele tempo, naquela Primavera ou Estio. Porque os Invernos devem ser esquecidos para bem do porvir, mau grado a beleza da neve quando sobrevoa e cai sobre os telhados e campos, quando a brancura desce sobre os cabelos, quando o olhar murcha marejado e o riso vinca ainda mais as rugas da face.

O mundo, o nosso mundo, somos nós que o construímos consoante as estações flúem dentro do espírito mais que do corpo. É preciso amor para poder pulsar / é preciso paz para poder sorrir / é preciso chuva para florir, assim diz a canção.

E a chuva é o símbolo da minha terra de nascimento. Chove nove meses em cada ano, o tempo de construir uma vida nova. Ninguém imagina Nova Lisboa sem chuva, como Luanda sem Marginal, como Lobito sem Restinga, como Moçâmedes sem o Namibe. Como qualquer destas cidades sem acácias. Acácias rubras.


Em Nova Lisboa a estação das chuvas tem início em Setembro e prolonga-se até Maio. A última acontecia normalmente, anos a fio, no dia da procissão de N.S. de Fátima, que conduzia a imagem desde a Sé, subindo a Av. 5 de Outubro, contornando a praça Norton de Matos, seguia a avenida, virava no jardim Salazar e algures por aí, antes da chegada à Igreja de Fátima, desabava uma chuvada mansa de despedida.

Porque a chuva em Nova Lisboa é intensa, forte, tocada a vento, incontornável com guarda-chuvas ou gabardines; anunciada por trovões assustadores, as nuvens sobem negras no horizonte e num ápice se desmancham em torrentes avassaladoras a que é preciso escapar e depois, apenas aguardar. De repente cessa, o céu abre-se num azul vibrante e sob os pés acende aquele odor a terra molhada que vivifica todos os seres.

No horizonte uns resquícios de nuvens adquirem tons de púrpura inigualáveis acolhendo ainda o resplendor do astro-rei já mergulhado a alumiar outras longitudes.

2 comentários:

jawaa disse...

Roube tudo o que quiser, tem esse direito pela força e mimo que me dá sempre. Essas fotos não são minhas, como as que até agora tenho colocado; mandaram-mas numa apresentação de PP que vou reencaminhar-lhe, e só não o fiz antes porque Luanda não é precisamente L.Marques...
Beijinho

Anónimo disse...

cara amiga iria, este excerto e de facto muito bonito...casar-me-ia com um homem que fosse capaz de me dizer palavras tao bonitas e simples...
Aqui encontra mais coisas sobre este escritor nascido na minha terra...terra das mulatas bonitas...dizia/se...
http://lusomatria.com/noticias.php?noticia=212
um beijo
filomena