sábado, julho 01, 2006

Enlacemos as mãos

«Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos).

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado.
Mais longe que os deuses.»

Ricardo Reis


Prezo muito a amizade, aquele sentimento forte que mereceu de Cícero um tratado. Nas minhas lides de estudante pesquisei e verti prosa, de Pátroclo e Aquiles a Garrett e Herculano; neste últimos, vivendo embora ideais e glórias em tempo igual, a estaca não pegou.

Da infância me vieram ligações que nunca esmoreceram, mau grado as distâncias, os enlaces e desenlaces, os desamores, as tragédias partilhadas, os sonhos desfeitos, as glórias vãs alcançadas. Sobram os anos, as cãs transformadas em neve, o prateado dos cabelos (onde é que eu li isto ontem..?) o olhar mais baço, mas os sorrisos permanecem em cada encontro, em cada neto partilhado, em cada florescer.

Às vezes, o fio da meada enrola-se nas mãos que o tecem, enrola e não deixa criar vida, torce em nós que não desfaço, fere as mãos e não desata. E eu sofro porque as minhas raízes dormem já o sono sem volta, resta-me o chão que as amizades adubam.

Em menina, bem menina, me encantei por uma outra de olhos de vidro e cabelos de ouro, bem longe da imagem que o espelho reflectia de tranças e olhos negros em tez morena. O encontro foi proporcionado pelos irmãos mais velhos de ambas. Eu só lhe vi os caracóis cor da flor dos milharais, ela recorda hoje o vestido de patinhos e folhos que eu usava. Nunca estudámos no mesmo colégio, colhemos novas amizades, enlaçámos outras, superámos distâncias entre reencontros, cresceram juntos nossos filhos.

Dos quatro, a vida e a morte já separaram. A nós que ficámos… enlacemos as mãos!

2 comentários:

naturalissima disse...

Bem haja memória. Haja história. Bem haja passado.
Li estes momentos e apesar das dieferenças de idade, e das histórias serem diferentes, eles levaram-me à infância, ao meu passado em Moçambique.
Gostei muito.
Cá voltarei para ler mais histórias.

Um belo domingo
Daniela

jawaa disse...

Obrigada pelas palavras de apreço. Já festejámos os 50 anos de amizade e os 60 já estão aí. Mexendo nas memórias, vou postar hoje outras amizades, ainda mais antigas, que já vêm dos pais. É uma forma de homenagear os amigos e esse sentimento fundo que nos enche a alma e preenche a nossa solidão.
Bem hajam!
Beijinho especial à minha nova Teté.