terça-feira, junho 27, 2006

Fui ver o campo...

«A décima nona era então o primeiro encontro.

Foi, porque a consciência dos débitos começa pelo uso das palavras. Ou melhor dizendo. Aconteceu quando se chegou à conclusão de que aquele encontro não poderia continuar a ser merenda. Porque merenda, como se disse, sempre lembraria o tempo das ceifas, por exemplo, quando a dor de macaco tanto apertava o rim, que apetecia uma pessoa morder as espigas que segava, Zulmirinha. Lembrava a era do trabalho sem hora, de sol a sol, o calor a dar nas abas do chapéu de uma pessoa como uma bofetada de luz. Praganas, carrapichos, sementes traiçoeiras, munidas de um bico de agulha ou de patinhas mordentes que se enfiavam nas roupas à procura da pele, para aí depositarem o seu veneno e raivinha de erva. Quem não guardava a memória viva dessa comichão, senhora Valentina? …»


Lídia Jorge


Eu fui ver o campo. O campo a menos de um quilómetro do local onde moro, o campo que viu crescer quem eu acompanho e me acompanha nas sendas da vida há várias décadas. Em cada Verão me encontro com a sua e a minha infância entre as árvores copadas, os muros de pedra, o viço das flores, a represa na vala, os patos que se multiplicam na frescura das ervas altas da beira de água.

Quando chega o Inverno, tudo entristece. A humidade no chão e nos muros, os choupos sem folhas, os verdes queimados pela geada, as roseiras nuas e o frio, o frio que se infiltra na minha alma saudosa dos trópicos, o frio que entra e permanece.

As temperaturas mais amenas, a estrela-rainha passando mais devagar no seu caminho do céu, fazem renascer, em cada ano, a vida oculta nos troncos secos, nos bolbos enterrados, nas sementes secadas ao sol. As heras marinham pelos muros e troncos, as glicínias ostentam seus longos cachos de lilás, os agapantos suas cabeleiras brancas e roxas, as hortênses dominando tudo, derramando-se pela relva sem pudor.








7 comentários:

naturalissima disse...

Venho, primeiro de tudo retribuir e agradecer a visita que me fez e as palavras que lá deixou. De forma simples e muito directa escreveu o sentido daquilo que pretendo fazer partilhando com os outros pequenas experiências.

Vim espreitar o seu cantinho. E sem querer ser comum, ser simpática só por ser, quero que tenha a certeza de que o seu espaço é belo, fresco e cheio de esperança.
Ainda não li tudo, mas farei logo que tenha um pouco mais de tempo, pois despertou-me curiosidade a forma como se apresenta e partilha o seu conteúdo.

É de facto interessante. E por cá passarei mais vezes. E prometo que irei "navegar" pelo blog todo.

Um beijinho
Daniela

naturalissima disse...

Deverá gostar de ler o www.rochasousa.blogspot.com

Uma boa semana para si.
Daniela

jawaa disse...

Daniela, muito obrigada pelas palavras aqui regista e, principalmente, porque vê no meu espaço esperança, que bom! O seu é lindo, vou por lá há já algum tempo, por puro prazer. Obrigada tbém pela dica, lá irei, sim.

A TT é um doce, como sempre.

Um beijinho às duas.

Anónimo disse...

Onde é que a minha amiguinha encontrou este Paraíso?!!!
Está muito bonito.
Beijinhos doces.

jawaa disse...

Bem pertinho de mim, Ni. Quando quiseres, levo-te(vos) lá, com todo o prazer.
Bjinho e obrigada sempre.

Anónimo disse...

Rocha de Sousa. Visitei o sei blo e gostei do que vi. Sensibilidade.
A publicação de um fragmento do meu livro fez confusão. Claro que os locais terríveis que o personagem visita, mostram a falta de sinais de deus e a necessidade do homem se responsabilizar e assumir culpas

Anónimo disse...

Rocha de Sousa. Visitei o sei blo e gostei do que vi. Sensibilidade.
A publicação de um fragmento do meu livro fez confusão. Claro que os locais terríveis que o personagem visita, mostram a falta de sinais de deus e a necessidade do homem se responsabilizar e assumir culpas