quinta-feira, junho 08, 2006

Palavras


«Ao longo da muralha que habitamos
Há palavras de vida há palavras de morte
Há palavras imensas que esperam por nós
E outras, frágeis, que deixam de esperar
Há palavras acesas como barcos
E há palavras homens, palavras que guardam
Os seus segredos e sua posição (…)


(…) Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever de falar»


Mário Cesariny




Eu gosto de ler. Gosto de passar os olhos por tudo o que está escrito. Posso ler uma notícia, um artigo algures num jornal sujo de muitas mãos, de muitos dias, e captar apenas o sentido do que se me oferece, sem ver as palavras. Posso folhear um livro caro, brilhante, bem encadernado, bem ilustrado, e topar às vezes com uma única palavra que lhe tira todo o brilho e valor.

Li há dias que os Portugueses não gostam de ler livros de bolso. Que tolice. Ou talvez não, depende do ponto de vista. Por um lado, quem gosta de ler, gosta de ler e ponto final; quer saber o que está lá escrito, dito, que ideias, que enredo, que estilo, ou, tão simplesmente, evadir-se por umas horas. Não importa o suporte. Quem não gosta, não deve ter vontade sequer de despender dinheiro em livros, actualmente com tantas outras solicitações.

Mas temos de ver a outra perspectiva que é curiosa e não de todo despicienda. Dos ricos deste país – os ricos – que sempre são alguns, nem todos gostam ou sequer lhes sobra tempo para a leitura, tais são as solicitações de ordem social, mas precisam de mostrar que são cultos e ter muitos livros em casa é sinal de cultura – valha-nos isso! –. Então, há que investir principalmente na aparência e nem sempre no conteúdo. Uma questão de gosto, em termos de decoração, é claro.

Mas dizia eu que gosto de ler, porém não todos os livros, nem todos os géneros. Prefiro sempre uns ou outros, e raramente leio um livro por pura evasão ao quotidiano. Gosto de ler e reler o mesmo livro se me agrada, e volto a ele, uma e outra vez, sem me enfadar. Há principalmente livros em que me deleito a apreciar as palavras porque são bonitas, porque estão colocadas no sítio exacto ou até porque estão desfeitas e refeitas em novíssimo sentido, e nós temos autores fabulosos! Alguns jogam com os vocábulos uma dança leve, suave, luminosa, inebriante; outros há que pegam em cada palavra e a volteiam, com a delicadeza dos dedos que separam a clara da gema, sem lhe quebrar o ténue invólucro que a sustém.

E o que me dá mais prazer é ainda reler os antigos, aqueles onde ainda me enlevo com expressões e ditos que só conheci na boca de meu pai e de meu avô materno, beirões ambos, um do Marão outro mais da beira-mar, que nos deliciavam nas noites mornas de Luanda com trocadilhos e ironias…


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