sábado, julho 15, 2006

Educação...

«… Não sabes que é logo, às três e meia, que acaba o mundo?...

O Mourita filho que estava ao lado, a dar corda a um boneco de lata, suspendeu a operação.
O fim do mundo?... E ia a perguntar ao pai o que era isso; mas o pai tinha mergulhado de novo na leitura. Abriu a boquita para interrogar a mãe; mas a mãe começava a redigir a epístola… Ficou por isso calado, a matutar no caso.
E a matutar no caso se lhe cerraram as pálpebras e lhe descaiu das mãos, para a alcatifa, o seu boneco de corda.

E foi o Mourita filho levado nos braços duma criada gorda para a caminha de guardas. Despiu-o. Deitou-o e, aconchegando-lhe a roupa, repenicou-lhe nos lábios em flor um beijo amigo. Lá o deixou num sono quieto, de passarinho cansado.
E a Terra foi girando e rodopiando nos espaços desempedidamente, sem entrave, sem percalço. E a madrugada luziu, como na véspera. E o sol irrompeu do recorte dum monte, à hora prefixa dos repertórios.

Quando as oito da manhã bateram, a criada gorda entrou no quarto do Mourita com o leite do desjejum.
- Vá, menino, leva arriba. Aqui tem o seu leitinho…
O petiz sentou-se na cama e semiabriu os grandes olhos garços. Depois desviou-os da claridade da janela e, esfregando-os com as mãozitas fechadas, recomendou à moçoila:
- Ó Ana, vê se lá fora inda há Mundo…»

Augusto Gil


Quando vi estas camisolinhas penduradas numa corda dentro do celeiro antigo, lembrei-me daquele texto bonito sobre um rapazinho a quem o vento brejeiro arreliava soprando a folha de papel em que pintava, sobre a mó de um moinho, no alto de uma colina. E como o vento fala com as crianças – no tempo em que elas tinham tempo para estar com o vento – este lá lhe disse que só o deixaria em paz quando ele conseguisse pintá-lo. «Como, se não te vejo?» «Então como sabes que eu existo?» O pequenito pensou um pouco, olhou as velas do moinho a rodar, a rodar, e… «Ah, já sei! Desenho as velas do moinho, folhas das árvores a voar, roupa na corda a doidejar…»

Pois esta roupinha de criança escreve uma história recente, uma história que deve ser contada, uma história bonita e uma história repetida em muitas escolas decerto. Se não desta maneira, de outra análoga.

É a história de uma Educadora de Infância. Ela trabalha todos os dias do ano, de manhã e de tarde, como mandam as regras. Quando as crianças saem da escola, às cinco e meia, ela tem de ficar a arrumar o que as aulas deixaram fora do lugar, para que no dia seguinte, logo cedo, os seus meninos cheguem e não vejam desordem. Para além disso tem de fazer toda a escrita, por exemplo relacionada com a distribuição do leite às crianças, tem relatórios, outros trabalhos a fazer para além do tempo dedicado às crianças. E não tem a seu cargo um ou dois filhos, como qualquer mãe. Tem pelo menos quinze. Todos a exigirem dela a atenção que os pais não lhe dão, sendo solicitada em todas as horas, em todos os minutos do dia. Para além dos trabalhos que faz com eles, um briga, outro tem sono, outro quer ir à casa de banho, é preciso olhar pela alimentação de todos, pelo repouso de alguns, à hora da sesta.

Para a festa do final deste ano, esta professora solicitou dos pais, atempadamente, umas t-shirts brancas, para que ela as pudesse personalizar, decorar em casa (aos fins de semana, fora do seu horário de trabalho), e assim contribuir para todos sentirem aquele dia como especial.

Por isso estranhei e gravei aquela roupa pequenina numa casa em que não nascem crianças há muitos, muitos anos.

O insucesso escolar em Portugal acontece por falta de trabalho dos professores, por falta de empenhamento, é o que dizem. Já se perguntaram, Pais deste país, se em algum momento pararam para pensar na dedicação, no imenso esforço diário de um Educador de Infância? Alguma vez disseram às vossas crianças que o Educador com quem elas passam o dia é o substituto dos pais e por tal o devem respeitar e amar?

Ou é apenas o EMPREGADO a quem pagam para que fiquem com os vossos filhos?

Pois é. EDUCAÇÃO começa precisamente aí.


4 comentários:

amigona avó e a neta princesa disse...

A minha total solidariedade...

Anónimo disse...

Desabafo

Eu também venho do tempo em que à Escola se exigia que ensinasse e educasse.

À família exigia-se que educasse. E ela chamava a si a responsabilidade de transmitir aqueles “pequenos nadas” da diferença e do respeito.

Eu venho do tempo em que ser Mestre era maiúscula. Saber. Orgulho. Exemplo. Distinção.

E ser aluno era ufania. Início de caminho: suado, árduo, expectante. Sabor a Conquista!
Não se empatava a infância, não se perpetuava o crescimento.

Hoje sou do tempo da inquilinatite a termo, infestante. Da facilitite ardilosa. Do plágio.

Hoje sou do tempo em que à escola se exige que tome conta, que assista, que caie insucessos, que não desdiga percentagens.

E as famílias?! Criam riqueza, combatem défices, labutam com PIBs, ensandecem.

Ser professor passou a ser matéria de/para censura. Sem comedimento nem urbanidade.
E ser aluno é agora uma passagem, não raro, sem outra margem.

Mas resiste-se. Sempre!

E o Exemplo mantém-se, de forma cheia e prenhe como sinónimo de Escola.

A minha escola, a sua escola (na ênfase do possesivo), a escola de todos os que não abdicam - pedagogos, alunos, pais, funcionários - e exercem em conjunto, sem atropelos ou insolência, a difícil e gratificante tarefa de educar.

E que por aí se atire o diabo às canelas de certos bem-pensantes!

naturalissima disse...

É lamentável que a educação não venha no seio da familia.
É lamentável que os pais estejam cada vez mais distantes dos seus filhos.
É lamentável que esta sociedade, este país não dê mais disponibilidade às familias, na educação dos seus filhos.
É lamentável que esta SOCIEDADE NÃO DÊ MAIS VALOR À PROFISSÃO DE UM PROFESSOR.
É LAMENTÁVEL O PAÍS EM QUE SE VIVE!
É LAMENTÁVEL O ESTADO DE EDUCAÇÃO DESTE PAÍS!

Respeitemos mais o trabalho do professor.

Sem dúvidaque temos aqui um excelente alerta!

Um beijinho
Daniela

Anónimo disse...

Não: «na ênfase do possesivo»
Mas: «na ênfase do possessivo»