sexta-feira, abril 07, 2006

S. Paulo de Luanda

L’eau!
Eau, tu n’as ni goût, ni couleur, ni arôme, on ne peut pas te définir, on te goûte, sans te connaître.
Tu n’es pas nécessaire à la vie; tu es la vie. Tu nous pénètres d’un plaisir qui ne s’explique point par les sens.

Saint Exupéry (in «Terre des Hommes»)

Uma desconfortável e descomedida dor de cabeça conduz-me sempre à secura dos sentidos só ultrapassável com o regresso ao líquido pré-natal. Imerso na água, o corpo adquire a funcionalidade que requer o quotidiano, a força do chuveiro quente desperta o sentido auditivo que o táctil absorve, quando a visão se esconde atrás das pálpebras fechadas sobre a íris cansada. É libertadora a nudez do corpo dentro de uma massa de água, e nem o odor a cloro consegue importunar-lhe a suavidade.

Falta-lhe aqui o sabor a sal. E o sol. E o vento quente. Imaginar o prazer de mergulhar nas ondas, nadar, ir para além da rebentação, entregar-se ao oceano e deixar-se enovelar pela espuma, depois estender-se na areia húmida e fresca. Correr pela praia enterrando os pés com força, sentir os grãos entre os dedos, na sola dos pés.

É que eu sou de um país onde um vento morno nos empurra para a frescura do mar, a extrair da água o deleite supremo de nos deitarmos nela de costas, com o azul inteiro a entrar-nos pelos olhos até o dourado passar através das pálpebras que os cobrem para não cegar. Parece que me vejo sentada no quebra-mar na maré vazante, deixo as ondas arrastarem o chão onde estou, as mãos fincadas e a areia e as pedras e as conchas a escoarem por entre os dedos, enquanto seca em mim a água deixando as marcas do sal no rosto e o odor nos cabelos…

Éramos meninos e as férias em Luanda acordavam pelas madrugadas na Ilha ou na cabana da Samba, quando a praia deserta se cobria completamente de pequenos caranguejos que deslizavam à nossa passagem num ruído leve e contínuo, como se toda a praia fosse um imenso papel frisado que dedos acariciassem. O sol a pino sobre a areia ardente e a luminosidade intensa sobre o mar impediam a permanência ao meio do dia, havia que aproveitar as manhãs mornas para o sabor da água ali tão perto. E os risos.

O regresso ao planalto limitava-nos a ânsia de entrega à magia da água, tanto pelo clima mais temperado de eterna Primavera, como pelos deveres de trabalho e estudo.

Mas ficava-nos por muito tempo a lembrança das viagens no Kapussoca, ao Mossulo, onde os dias eram maiores, se estendiam pelas praias enquanto havia claridade, pelas sombras das palmeiras, pelas corridas, brincadeiras, pela imensa liberdade de ser.

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é proibido.

1 comentário:

jawaa disse...

TT, obrigada pela dica, vou melhorar...

Pois é, amigo, bons tempos «meu patrãozinho»!

Bjinhos