domingo, setembro 09, 2007

Setembro


«…Há sem dúvida quem ame o infinito,

Há sem dúvida quem deseje o impossível,

Há sem dúvida quem não queira nada

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:

Porque eu amo infinitamente o finito,

Porque eu desejo impossivelmente o possível,

Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,

Ou até se não puder ser...»

Álvaro de Campos






Setembro é um mês mágico.

Lembra-me o entardecer do Verão exalando todos os odores da fruta colhida, assomando pela casa um cheiro à compota que vai adoçar o rigor das estações seguintes, o acender da esperança num novo ano de trabalho.

Os dias serenos, mais curtos já, nem sempre menos quentes, derramando-se pelas praias num estertor luminoso e numa quietude que nos deixa ouvir o mar, apenas o mar, e nele ponteando em grupos, aqui e além, os surfistas parados à espera do vento que não sopra e das ondas largas que não acontecem.

Recordar Sophia a ver o mar não é inédito. Sophia de Mello Breyner Andresen está presente em todos os lugares que o lembram. No Oceanário de Lisboa. Nas vagas alterosas das escolas também. Os programas de LP do E. Básico têm Sophia como sugestão de leitura orientada (obrigatória?): desde A Fada Oriana no 1º Ciclo, passando pela Menina do Mar, A Floresta, A Árvore, O Rapaz de Bronze no 2º Ciclo e ainda O Cavaleiro da Dinamarca no 3º Ciclo. A par de outros autores, entenda-se.

Mas a publicidade sempre esteve mais ao serviço dos que sabem usá-la e as desigualdades de oportunidades sucedem-se, isto sem pretender – nem por sombras! – desmerecer a qualidade de uma autora, de uma poetisa, deste gabarito (saiu a talhe de foice, foi o mar que a trouxe aqui) e de outros que lhe sucedem. Sempre me pareceu despropositado o excesso de obras dum mesmo autor para leitura recomendada, tendo em vista o universo alargado que felizmente existe de literatura infanto-juvenil.

Nesta linha de pensamento surgem alguns bons escritores contemporâneos que se debatem por “um lugar na frente”, ofuscados quase sempre por uma implacável máquina publicitária que impõe a massa informe de literatura de consumo corrente. Como o vinho: misturado, mas serve, haja o que beber.

Aquietem-se porém os escritores dignos desse nome que deixam a marca sentida do seu testemunho em letras que honram a nossa língua. Por entre o nevoeiro espesso da manhã, o sol vai romper. Melhor. À hora em que o ardor da chama já não queima, num areal comprido em que as pegadas prevalecem ao vazar da maré.

Ainda há lugares como este. Sem casas brancas nem dunas.

Apenas falésia.



4 comentários:

bettips disse...

Ah...andar só e descobrir os pés bailarinos das gaivotas! Onde o céu ("il cielo" de Luciano) é tão infinito e redondo. Bjinho

Anónimo disse...

Boa tarde. Como num ritual visito-a, leio-a, falo da sua escrita: desta coisas rara de escrever em bom português.
Hoje deixo o convite para:
http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/
Obrigada!

naturalissima disse...

«…Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...»

Bem escolhido, bem falado, e acompanhado de uma sequência de imagens belas com cheiro de Setembro.

:) Daniela

APC disse...

Coloquei parte desse poema no meu blog, um dia, num post chamado "Um pouco mais" (curiosamente, em Setembro do ano passado).
Setembro tem o dom de me trazer nostalgias precoces. É, todavia, um excelente momento para se brindar ao entardecer de um Verão, já com outra paz, com outra calma.

Percebo o que transmites no teu texto. É uma leitura justa da realidade, sim. E escreves bem! :-)

Deixo-te isto, que me assaltou o espírito enquanto te lia:

Setembro foi um mês eternidade
Setembro sabe a mar e a saudade
Das memórias que teço, não esqueço
Este encantado Verão
Que me deixou ancorado
Só na solidão


:-)

Canta José Alberto Reis. Que se lixe se é "pimba"... O verso tá bom!

Um abraço!*