quarta-feira, dezembro 06, 2006

Olhar em volta

«Por uma manhã de Setembro, límpida e serena, como às vezes são na nossa terra as manhãs de Outono, Jorge saiu a pé, a passear pelos campos. Errou ao acaso por bouças e tapadas, seguiu a estreita vereda a custo cedida ao trânsito pela sôfrega cultura das terras marginais do pequeno rio da aldeia. Depois subindo a uma eminência, parou a contemplar do alto o aspecto do feracíssimo vale, que suavemente se lhe abatia aos pés, e no fundo do qual se erguia, de entre veigas e pomares, a Herdade (…)

– Em flagrante delito de meditação poética, Sr. Jorge! Bravo! Já não desespero de te ver um dia fazer versos.

– Quem se senta no alto de um monte, depois de subir toda a encosta, pode fazê-lo simplesmente com o prosaico intento de tomar fôlego. Se isto fosse sintoma de poesia, então…»

Júlio Dinis




















Por que nunca paramos no meio do caminho, simplesmente para olhar o que nos rodeia, para sentir o cheiro dos eucaliptos novos? Eu sei porquê, todos temos pressa de chegar.

E refiro-me precisamente ao eucalipto porque é ele que altera a nossa floresta mediterrânica de pinhais e soutos e olivais. É ele que suga os parcos lençóis de água e ajuda à desertificação anunciada, mas exala um cheiro refrescante e leve (que me leva à «cortina» da Sacaála, às amoras…) em dias de calor intenso. Pois é, toda a medalha tem seu reverso: de um lado a degradação e o declínio, do outro a economia do país e a beleza, o odor, o atear dos sentidos.

Nos nossos passeios pela minha África, meu pai tinha por hábito parar sempre em cima das pontes. E saíamos todos para ver o rio. Lamacento e caudaloso, espraiando-se sorrateiro pelos capinzais das margens; parado e aquietado por uma barragem; límpido e alegre despenhando-se em cascata ou correndo ligeiro, negaceando as pedras lisas.

Parar sobre as pontes seria talvez o lugar mais seguro para simplesmente se olhar a paisagem em volta, para se encontrar o sítio mais aprazível para uma pescaria, um piquenique também. Sempre junto à água.

Na memória, as pontes sobre o Kolongo, o Kuíto, o Kuando, o Kussava, o Kurimahala, são as mais presentes. O Lucala, atravessei-o vezes sem conta sobre uma jangada; também o Kunene, em Vila Folgares (Capelongo), para uma caçada aos elefantes que não se concretizou porque as chuvas chegaram de sopetão, antes do tempo previsto. Tivemos de regressar a casa.

Eu também tive de regressar à terra que viu nascer os meus maiores. As minhas pontes, os meus rios, ficaram lá.

Eu, continuo aqui, num outro rio, sem água e sem magia.

2 comentários:

veritas disse...

Engraçado a magia de África...todos os que por lá passaram desejam voltar...como que um feitiço...Gostei da evocação... Os Fidalgos da Casa Mourisca...

Boa semana.

naturalissima disse...

Magnífico.
Amiga, como sei tão bem do que falas, do que sentes!
Vivemos épocas diferentes, mas àfrica continua lá com a mesma magia, com os mesmos feitiços e macumbas, com o mesmo cheiro, com as mesmas vibrações em cada lugar, em cada sorriso, em cada canção, dança, nascer e pôr do sol...
Ai que saudades...
Fez-em bm ler-te...
Um beijinho
Daniela