quinta-feira, novembro 30, 2006

Às vezes...


Ontem o Presidente da República divulgou a sua anuência ao referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. A propósito, em relação a este assunto tão delicado, à forma como se fala nele nos órgãos de comunicação social, sinto-me incomodada. E às vezes sinto vergonha.

É um sentimento feroz que surge na hora menos adequada, quando nos sentimos seguros, cauterizados já por longos anos de poder sobre as nossas emoções. Da última vez foi aquela mulher da vizinha Espanha que me surgiu no noticiário da noite, determinada e firme na sua resolução de abrir uma clínica em Portugal para a Mulher Portuguesa proceder à interrupção da gravidez, agora que vai, decerto, ser aprovada em referendo.

Qual coruja atenta na noite, preparada desde o escurecer, contactos firmados com homens de governo, médicos portugueses, enfermeiros portugueses, empregados portugueses, para mulheres portuguesas. Senti-me o rato. O pobre rato que tem de sair a coberto da noite para prover à sua subsistência. Mas a coruja também está lá. E tem meios para sentir que alguém mexe por perto e ataca. E tem esse direito. Para ela também existe a lei da sobrevivência.

Sou mulher e vou, pela segunda vez, votar a favor, no referendo.

Mas não sou a favor do aborto. E não sou católica, apenas e simplesmente cristã. Para mim é inquestionável que a mulher decida sobre si própria, avalie da sua força para colocar no mundo uma criança mal-formada e da sua capacidade para a acompanhar nos anos subsequentes; sobre a sua coragem de gerar uma criança saudável para a entregar às instituições deste país que negam sistematicamente a adopção. Qualquer lar, qualquer casal hetero ou homossexual, qualquer cidadão, pessoas solteiras ou separadas, mais novas ou mais velhas, qualquer lar, repito, capaz de oferecer carinho e protecção, é melhor do que todas as instituições que temos.

Voltando ao aborto, é claro que sou contra, ninguém tem o direito de privar alguém de viver, se estiver são, se o concebeu. Só não sou contra as mulheres que o praticam. Não acredito que seja uma decisão tomada de ânimo leve, nem trauma ultrapassável para qualquer mulher, viver uma experiência semelhante.

Sou contra a educação que continua a não existir em Portugal. Sou contra a falta de formação de todos os que não conseguem educar as mulheres (e os homens!) portuguesas para a sabedoria primeira, para o conhecimento atempado de que NÃO É PRECISO CHEGAR AO ABORTO para se não ser mãe, se não quiser, se não puder.

Perde-se tempo nas escolas, nas igrejas, nas instituições que pagamos a preço de ouro, para se discutir sobre se deve ou não haver uma disciplina de educação sexual, quem deve dar essa disciplina, em que ano de escolaridade deve começar, em que minuto começa a curiosidade sobre o instinto primário de todos os seres vivos, a reprodução pura e simples.

Para mim, a educação sexual está aí, explícita, já nem só no cinema, mas diariamente na TV, nos anúncios, nas novelas, impressa nos jornais, nas revistas, nas paredes, nos placares de rua. Não se pode fugir a ela. Falta apenas complementar pela informação directa e urgente, tão cedo quanto possível, cada vez mais cedo, de que há as estratégias actuais mais diversas para se iniciar uma actividade sexual com segurança.

Recordo a «minha velha» escola que era anualmente invadida por delegados farmacêuticos oferecendo pensos higiénicos às meninas e conversando uma hora com cada turma sobre fertilidade e higiene, na presença professor de Ciências ou do director de turma; como se mostravam profícuos muitos desses encontros, numa descontracção que possibilitava perguntas e respostas posteriores concretas, a dúvidas dos adolescentes e pré-adolescentes!

Abram as escolas a profissionais de saúde, deixem que as farmácias façam serviço útil sem ser a expensas do estado, sem sobrecarregarem os alunos com mais horas na escola! Chega de áreas de projecto leccionadas por quem não sabe fazer para si um projecto de vida, de estudos acompanhados que o não são, de aulas de substituição que são um sofrimento para alunos e professores, de educação cívica que disso só tem o nome!

Leiam-se os bons autores de Língua Portuguesa, façam-se aulas de Poesia, olimpíadas de Matemática, conte-se a História do Homem e da Terra, ensine-se Língua Estrangeira, Desporto, Artes, praticando e exigindo trabalho aos alunos, também resultados aos professores. A estes, avaliem-nos, mas não coarctem, não reduzam, não abatam, não humilhem!

Às vezes sinto vergonha… de DIZER que sou professora.

5 comentários:

Isabel disse...

Excelente texto.
Quem dera muitos te lessem e abrissem as mentes com as tuas palavras .

Vou votar sim.
Sim
Sim
Sim

È sempre bom visitar-te e descobrir-te mais um pouco.

Até breve.

Isabel

veritas disse...

Olá!

Como gostei das tuas palavras, como as senti, como me integrei nelas! Tal como tu, também eu sou professora, também partilho do que sentes...Vou voltar muitas vezes.

Bjs. Bom fim-de-semana. Bom feriado.

jawaa disse...

Bem hajam, Isabel e Veritas, pelas palavras que registaram aqui, sinto-me mais confortada.
PN, eu não disse que tinha vergonha de Ser, disse que tinha vergonha de o Dizer; é ligeiramente diferente.
Sobre a ministra da tutela, não me cabe (a mim...) ter vergonha, quando muito, ela própria ponha a mão na sua consciência!

dakidali disse...

Bem... Simplesmente espectacular. Já a TITULAR. 5 Estrelas. Subscrevo inteiramente.
Beijinhos

Anónimo disse...

Não sintas, nunca, tens a mais nobre das profissões. E a forma´como este país trata os professores não é senão um indicador do seu subdesenvolvimento. O Saber, o que assusta o poderzinho...

Quanto ao 'resto', tu sabes, votei sim. Por solidariedade com a Mulher.

Um beijo, IO.