sábado, setembro 11, 2010

Retiro


Torno a pisar, com a emoção da primeira vez, este reduto ibérico da insubmissão e da esperança, e junto honradamente à soma do que senti então e sinto agora, num preito que talvez simbolize outros preitos, a gratidão permanente de quem, desde que dura o fascismo peninsular, aqui mandou diariamente o espírito em peregrinação retemperar as energias da resistência. Sim, há também santuários miraculosos da rebeldia. Sítios sagrados, onde a máscara rugosa da natureza é o rosto severo da própria liberdade.

Miguel Torga,  in Diário XIII - Covadonga, 3 de Setembro de 1962

Fotografia de Fernando Costa

As palavras que usamos no nosso quotidiano, aquelas que nos surgem em momentos mais intensos, aquelas que parecem caídas não sei de onde, se memórias de leituras esconsas, se herdadas de memórias de infância, primeiras palavras ouvidas, ainda sem capacidade de modular a voz para as repetir, as que parecem sopradas nos dedos que escrevem, as que se engolem com as lágrimas e se dissolvem cá dentro, as palavras não conseguem dizer tudo.

E se dizem, falseiam a realidade que não é, porque o real é imaginário, depende de motivações que nos tolhem ou exaltam o que o corpo sente em momentos de euforia, de dor ou inquietação, em momentos severos de uma escuridão sem clarões, de uma lucidez sem névoa, em cavalgadas de sonhos desfeitos. Nem sei onde já li que «cada homem tem o corpo de um homem e o coração de um deus», assim, tal e qual.

Então a tristeza invade-nos porque nada se faz como queremos, como desejamos, como nos cultivamos, imersos nos anos que galgámos, na raça a que pertencemos, nos genes que nos passaram e moldaram o carácter, a forma de ver e sentir o mundo, os outros, nós próprios divididos entre a sociedade que nos tolhe o coração, que não a razão.

A ausência dos que nos querem bem, os homens e os bichos, as ausências que fazem iluminar a saudade, aquele meio-termo entre alegria e tristeza, que nos faz sentir sós. Que nos faz sentir que as palavras dizem mas os olhos dizem mais, o gesto é mais inteligível. Porque nos parece tão fácil dizer que a terra é o centro do universo. Então não é tão real que o sol é que roda à nossa volta em cada dia?


4 comentários:

Rocha de Sousa disse...

Quem escreve assim é porque escreve
por vezes com o coração mas sabe
dizer-se com o coração e a razão,
apelando aos sentimentos e ao ima-
ginário.É como gosta mais de ser.
Claro que o sol só gira em torno de
nós quando fingimos que não o sabe-
mos e então aproximamo-nos dos poe-
tas.
É difícil atingir mesmo o limite
da verdade

Nilson Barcelli disse...

E quanto mais se diz, mais longe se fica da realidade.
Sendo que ser feliz, digo eu, não passa de um estado de espírito...
Escreveste um excelente texto. Gostei.
Querida amiga, boa semana.
Um abraço.

Manuel Veiga disse...

gostei muito do texto. e da tua evocação do campo "mitico" da Palavra!

mas somos "História". não há volta a dar...

beijos

M. disse...

De novo a beleza aqui.