quarta-feira, setembro 22, 2010

Quietude



A obra de arte inacabada ou mutilada, o esboço, o fragmento. Mais do que nunca isso nos fascina. Porque o que mais importa numa obra de arte é o que ela não diz. É o não dizer que hoje sobretudo se pode dizer. O fragmento ou o inacabado acentua a voz do imaginário, antes de ser a do verdadeiro silêncio. E o silêncio sem mais é o nosso modo de falar. Ou seja, a forma única de a razão ter razão.

Vergílio Ferreira,  in Pensar

 
Uma lua branca olhou-me serena e interrogadora e um brilho de prata tremeluziu mais longe aquietando a minha solidão. A noite quieta disse que tudo permanece, o caminho aberto, os caminhos, abertos aos passos ainda firmes, os cães ladrando longe e perto, um ou outro carro fazendo rodar as sombras, primeiro devagar depois sumindo com o som da máquina.

Outra vez os cães.

Outra vez a lua.

A lua igual, parada, à espera, a olhar de frente. Até quando?

Até quando o implacável girar dos astros lhe desfaça o sorriso, lhe retire a claridade, meia-lua, lua minguante, e se vire de costas, a renovar-se.

Como eu, como as primaveras, deixando-se cortar para voltar inteira, assim o lembram os poetas.


4 comentários:

Rocha de Sousa disse...

Excepcional convocação de Vergílio
Ferreira, excepcional texto: um
passo, a noite da terra e de nós mesmos, carros que passam, a lua que um dia poderá voltar-nos as
costas. Após uma fotografia rara,
esta voz morna, pensada, diz-nos
que, nesse caso,rodaremos sobre
um eixo e voltaremos à razão de
quem somos.

Justine disse...

E outra lua há-de surgir quando esssa se for,assim como tu te renovarás, com a tua lucidez temperada com poesia...

Manuel Veiga disse...

a lua cumpre-se em seu brilho. quando cheia - eternamente fria!

os poetas ardem - no sonho!

beijo

M. disse...

Tão bonito!