domingo, dezembro 14, 2008

Tempos diferentes


«Certas palavras podem dizer muitas coisas;

Certos olhares podem valer mais do que mil palavras;

Certos momentos nos fazem esquecer que existe um mundo lá fora;

Certos gestos, parecem sinais guiando-nos pelo caminho;

Certos toques parecem estremecer todo nosso coração;

Certos detalhes nos dão certeza de que existem pessoas especiais...»


Vinícius de Moraes



É o Inverno a chegar devagarinho cá dentro, a entrar de manso nas frestas de um sorriso que se apaga em dor, das dores mais ternas que a saudade vai abrindo. Nem só do que é real, tão só a realidade de um azul que não existe quando aparece entre as nuvens que por breve tempo deixam o ar menos severo, aquele azul que me ensinaram a dizer azul e que eu sei que não é cor alguma, é apenas o que parece. Ainda assim a chuva cai e lava os telhados, bate nos vidros e eu queria que tombasse sobre mim como naquelas praias quentes deixadas longe. Naquelas latitudes onde a natureza é mais forte do que nós e desgasta mais.

Eu gosto do clima europeu. Das estações que se sucedem regularmente a espaços curtos, que nos deixam respirar e ter esperança porque breve outra se acende sem nos esgotar de sequidão. Sem nos queimar de raios, sem nos afogar em lamas, sem nos arrastar em torrentes. Tudo é mais leve e mais sereno, o frio já nem sinto, o vento sopra mas não levanto voo, o sol brilha e aquece o que sobra de alento, as manchas escurecem nas mãos, derrama-se o espanto no silêncio das horas.

As horas mansas que o tempo do Advento dantes enchia de figos secos as mãos, a boca, os bolsos. O tempo das rabanadas e dos sonhos escorrendo de calda de açúcar e canela, o tempo dos cheiros, dos contos, dos desejos, dos sentidos sentindo.

Agora um sabor a amargo, a fé do rito a cumprir, nem som, nem músicas. A esperança está na fogueira alta, frente ao lagar que foi, do moinho da azenha que já não mói o trigo nem descasca o cereal dos arrozais que nunca conheci. O fogo que atrai na voracidade com que se alimenta, que se jorra em luz, se desfaz em cinzas que guardam as histórias secretas de cada um de nós.

Nasci da água, sou terra chã, vivo do ar e ainda hei-de fazer-me em fogo.

11 comentários:

dona tela disse...

Ih como a senhora sabe dizer as coisas que até estremece por dentro.

Muitos cumprimentos.

Paula Raposo disse...

Fantástico o teu texto! Acompanhado das palavras de Vinicius...gostei imenso! Muitos beijos.

Manuel Veiga disse...

és fogo - sarça ardente da palavra...

belíssimo

beijo

andorinha disse...

Do mais belo que alguma vez li!
É bom vir até aqui...

Beijinhos

Rocha de Sousa disse...

Vinicius, sim. A paixão da terra e
das estações do amo, mais amenas, na velha Europa. Vem o frio, nuvens de cinza e azul nos interva-
los. É um cinema literário, homena-
gem ao tempo e aos seus ritmos, co-
mo numa cantata onde tanto se evoca
a «barbárie» do clima tropical como
se cumpre a memória dos bolos da época, se cospe o sabor já amargo da fé e do rito.E o fogo volta, destino de cinzas onde se guardam as histórias secretas da nossas estações da vida. Depois a mensa- gem, sintetizada, de quem nasceu da água, viveu na terra chã e do ar, um dia ainda há-de ser fogo.
Bom, muito bom, em deslizantes pa-
lavras que figuram o sol, a terra,
a brandura do clima, o trajecto de
vida carregando as suas memórias -
e o apelo ao renascimento pelo fogo, como nos filmes de Tarkovsky.
R.Sousa

Quem Não Tem Cão disse...

Belissimo!
E como eu conheço esse "lugar"... iluminado por tristes luzes que se acendem e apagam num silencio disfarçado de calda de açucar. Salva-nos a fogueira...lá é escuro e quente.

PS: Lindo também o postal ;o)
Obrigado.
Pingo

bettips disse...

Sem palavras para tanta poesia escondida nos ritos. Que foram figos, doces, torrentes, estações excessivas.
Terra bonita que se desvenda.
Bjinho

dona tela disse...

Desculpe não me alongar no comentário, mas eu hoje venho só desejar umas Festas muito Felizes.

Manuel Veiga disse...

beijo.

Bom Natal...

Sant'Ana disse...

De mim e dos amigos de 4 patas: Um Natal pleno de amor e harmonia.

Com um beijo e abraço apertado.

tulipa disse...

Com o Natal à porta, os meus votos são:
Que nunca cesses de encontrar novas possibilidades na vida e em ti próprio.
Que mantenhas dentro de ti uma Paz que nada possa destruir.
Que o ano 2009 seja tal como desejas.

Beijos.

Retribuo e agradeço os votos de Boas Festas.