quarta-feira, outubro 31, 2007

Os Santos


«A vida é um milagre.

Cada flor,

Com a sua forma, sua cor, seu aroma,

Cada flor é um milagre.

Cada pássaro,

Com a sua plumagem, seu voo, seu canto,

Cada pássaro é um milagre.

O espaço, infinito,

O espaço é um milagre.

O tempo, infinito,

O tempo é um milagre.

A memória é um milagre.

A consciência é um milagre.

Tudo é milagre.

Tudo, menos a morte.

– Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.»

Manuel Bandeira




Eu lido mal com os cemitérios, há que convir. Quando era menina, vivia numa «província» portuguesa de África e os meus pais tinham os seus mortos por aqui, na chamada Metrópole. De modo que o dia dos Finados – dia 2 de Novembro – era lembrado porque havia tolerância de ponto nessa manhã para se ir à missa (na altura não podiam ser celebradas de tarde) e nós não tínhamos aulas. Decerto a véspera, feriado porque os Santos se reuniam todos nesse dia – não no Olimpo, mas algures no espaço azul – seria aproveitado, como hoje, para enfeitar as campas dos antepassados. Foi ritual que não cumpri. O Dia dos Finados era também o dia em que as senhoras se vestiam de preto, principalmente para irem à missa, vestidas de negro por luto, por respeito para com os seus ancestrais.

Creio bem que por aqui, se perguntarem hoje às pessoas em geral, o dia dos Finados terá sido roubado aos Santos, o que tem lógica, que os santos têm já, cada um, seu dia do ano. Digam agora que o povo não tem razão: o dia 2 de Novembro é dia de trabalho e há que aproveitá-lo, e depois, é preciso dar algum sentido a um feriado que o não tem, embora a globalização dos costumes nos tenha contaminado com o Halloween, vulgo dia (noite?) das bruxas. Felizmente no lugar onde moro ainda as crianças vêm tocar à porta por uns doces, chocolates, broas de noz, pedindo o «Pão por Deus», lembrando que é hora de partilha.

Parece-me bem que haja um dia por ano para recordar os nossos mortos, os que nos trouxeram ao mundo, os que connosco conviveram, que nos moldaram, que nos transmitiram o melhor e o pior. Cada vez mais havendo menos espaço para as casas sepulcrais – como que num prolongamento dos haveres terrenos, a exemplo espúrio dos grandes antigos – parece haver necessidade de encontrar outras formas de os venerar, para além da romaria ao cemitério para limpar, esfregar, enfeitar as campas em que repousam.

O novo século tem de reorientar os seus valores, naturalmente inseguros como em todo o iniciar, tem de olhar o futuro com os pés assentes no presente, sem esquecer o passado que nos trouxe até aqui. O presente é magnífico nas suas potencialidades ao nível da tecnologia mas a natureza deve ser respeitada porque ela é a mãe, a «mais velha», a que nunca morre porque continua viva em cada um que cresce, é próprio dela fenecer e dar lugar aos mais novos, revivendo neles.

Aceitar esse facto deve ser prioritário, porque é a lei da vida.


4 comentários:

Rui Caetano disse...

O poema de Manuel Bandeira é lindíssimo, conheço-o desde os tempo de Universidade e até o sabia de cor. A vida é realmente um milagre e a morte o fim de todos os sonhos, fantasias em suma, o fim de todos os milagres.

Fragmentos Betty Martins disse...

Querida Jawaa

______o grande milagre da vida_________será a continuidade do homem____________na eternidade que cabe____________ser dentro de cada um de nós________

Beijinhos com carinho
bomFsemana

Rui Caetano disse...

Será possível eniares para o meu blogue o poema do Manuel Bandeira? agradecia imenso, obrigado.

M. disse...

Gosto do teu pensamento azul.