sexta-feira, outubro 19, 2007

A alma do Lobo


«Do ponto de vista da Arte recebi muito mais do que poderia ter desejado e no entanto trago as mãos vazias. Agora dei duas entrevistas, coisa que nunca deveria ter feito. Não ponho em causa a competência ou a honestidade dos jornalistas mas não me revejo em nada daquilo. Não sou assim e não sou capaz de exprimir o que sou. Os livros falam muito melhor do que eu. O que aparece nos jornais é um estranho e até as fotografias são mentira porque não me pareço comigo. Acho-me cansado desses jogos. Apetece-me desaparecer atrás das palavras, ser de facto o ninguém que sou: um nome apenas, numa capa. E deixar o resto para mim, dado que não tem nenhuma importância colectiva.»

António Lobo Antunes escreve cada vez melhor. A sua vontade de comunicar o que vai dentro de si é intensa e sempre o fez com algum recato, sem deixar que aflorasse completamente a grande pessoa que ele é. Porém, à medida que vai expondo cada vez mais livremente o que pensa de si próprio e dos outros, sem peias, melhora o escritor, consegue mais intimidade com quem acompanha os seus pensamentos. Pessoalmente, vejo nas crónicas a sua melhor expressão precisamente porque pouco trabalhadas, menos afagadas, mais à flor da pele, cada vez mais num tom coloquial em que é exímio.

A sinceridade da mágoa que transparece nas palavras citadas «Não ponho em causa a competência ou a honestidade dos jornalistas mas não me revejo em nada daquilo. Não sou assim…» comoveu-me, principalmente porque comentei aqui um laivo de vaidade sobre a sua própria escrita, que vem sublinhada numa das anteriores entrevistas que refere.

O contexto em que surgiram aquelas palavras espontâneas não apareceu na revista e é mister dos jornalistas encontrar frases bombásticas para chamar a atenção, para vender bem, o fim necessário e primeiro nos nossos dias, pervertendo completamente a intenção do autor. Lobo Antunes ter-se-ia manifestado na sequência de referências a «alguns autores», apenas isso. Crivado de razão.

Afinal, alguém que, sendo Médico interno numa psiquiatria, tem a coragem de aparecer ao serviço de cabeça rapada e de bata igual à dos doentes, para protestar em nome deles, arcando com as consequências previsíveis, não pode achar-se acima de ninguém. É profundamente humano.

7 comentários:

rui disse...

Olá Jawaa

Lembro-me desse post e, fico feliz que fique "esclarecido" o verdadeiro sentir do António Lobo.
De uma forma deliciosa repões a verdade distorcida pelos jornalistas.

Grande abraço

PS. Adorei a tua foto no PPP!

Rui Caetano disse...

Grande Lobo Antunes. Um homem da arte, um homem da vida.

bettips disse...

Comoveu-me o cancro e o desamparo.
Foi importante que o dissesse, do outro lado da vida. Há muito que a sua escrita me lembra a "explicação dos pássaros" que, afinal, só voam. Um "diseur" dos sentimentos, especialmente nas suas crónicas de lobo solitário.
Nem tenho tido tempo para tudo.
Um abraço a ti, pertencendo-nos a ligação do lugar da semana, estaremos sempre perto!

fernanda disse...

Sinto-me feliz por ver expresso aqui o que penso de Lobo Antunes que muito admiro. Até a sua "pequena vaidade" não me choca nada, tem o direito de saber qual o seu valor e de o dizer, até porque cá nestas bandas a tendência é precisamente rebaixar os valores que se destacam, não os compreender e muitas vezes pretender o direito à crítica que às vezes é apenas reles inveja.

bettips disse...

Fica-se-me a felicidade de saber. Felicidade por ti e as duas outras. Que o souberam preservar, PARABÉNS! Abraços

veritas disse...

Que consolo na alma saber que ainda existem seres humanos com esta dimensão! Cada vez o admiro mais!

Bjs. Boa semana.

Anónimo disse...

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