domingo, julho 15, 2007

Civismo

«… Beauvoir falava da identidade feminina: uma construção imposta por uma sociedade “falocêntrica” que oprime as donzelas ao atribuir papéis de sujeição sexual e moral. Para Beauvoir, derrubar essa sociedade passava por um igualitarismo radical: pelo regresso à nossa condição de humanos e não, nunca, jamais, pela distinção, natural e até cultural, entre “homens” e “mulheres”.

Não pretendo contaminar ninguém com o meu pessimismo de estimação. Mas Beauvoir triunfou. Abrir uma porta ou dar precedência a uma senhora é considerado ofensivo em certos antros, a começar pelos da universidade ocidental. Eu próprio, confesso, já provei deste caldo: quando, insensatamente, levantava-me da mesa sempre que o elemento feminino levantava-se também. Ficava sozinho no campo de batalha, fuzilado pelos olhares em volta. Então regressava à minha condição de macho, de criminoso e de verme. Sentado. Gelado. Pregado. Mas quem julgava eu que era? O Prof. Higgins em educação sentimental?

João Pereira Coutinho, cronista da FSP




Uma revolução é sempre uma revolução. Quer queiramos ou não, nela se varre o bom e o mau, se a vassourada é de monta. Construir uma nova mentalidade esbarra sempre em obstáculos vários que se vão esboroando como pedras, roladas uma e outra vez, até se desfazerem em areia que o tempo remove.

Nós temos o nosso Abril bem presente, glória de muitos, mágoa de tantos, ainda hoje, volvido o tempo de uma geração. Não é por acaso que num concurso de televisão, de cariz popular, seja Salazar o grande homem para tanta gente, mesmo descontando os votos de uma extrema-direita que usa todos os meios para tentar afirmar-se. Li algures que na República Checa ganhou, num concurso idêntico, um homem que nunca existiu para além do imaginário de um povo martirizado, desejoso de uma figura de relevo capaz de afirmar superiormente uma identidade.

João Pereira Coutinho é um menino; mergulha nos livros e procura interpretar o que o rodeia, com uma intensidade, uma acuidade, uma subtileza, só possível num português conhecedor da sua História, que sabe entornar na prosa a graciosidade e leveza de um país como o Brasil que o acolhe na Folha de S. Paulo.

Deste lado do Atlântico o problema da (falta de) educação mantém-se, eu diria agudiza-se no pior sentido. As escolas particulares vão proliferando a exemplo de outra Europa, as escolas públicas não conseguem dirimir os maus exemplos de uma geração de pais para quem a cultura é sinónimo de dinheiro e apenas isso, os professores não são exemplo nenhum a seguir porque menos bem pagos, e a nossa actual ministra da Educação não mostrou a sensibilidade devida na condução de um processo de reestruturação que era urgente apenas para implementar um processo de avaliação que a maioria dos professores – os que o são por vocação e são muitos – não contesta. Avaliação em relação a professores e alunos. Os sindicatos ajudaram pouco, porque os direitos são sobretudo a dignidade e o respeito. O direito ao trabalho também. Os salários depois, que também contam e os professores não são bem pagos, ao contrário do que se pensa e divulga, principalmente se atendermos a que têm de pagar a sua formação (obrigatória para subir na carreira) e passam pelo menos metade, ou mais, do seu tempo de serviço deslocados da sua residência.

Mas tudo isso é já História para mim.

Falava da outra educação, o civismo que inclui o que se recebe desde o berço.

Saber-me-ia bem hoje o cavalheirismo de outrora, um baixar de cabeça num aperto de mão, um fingir que se levanta na mesa do café, um ceder de cadeira numa qualquer espera de atendimento público, mas esbarro com «os direitos iguais» entre sexos que não são iguais. Iguais no direito ao trabalho sim, chega de «atrás de um grande homem está sempre uma grande mulher»! Ela tem de estar ao lado e não atrás, parece que neste início de século já alguns intuíram isso: os mais educados, os mais evoluídos, os mais humanos, nem sempre os mais instruídos, menos ainda os mais endinheirados.

Resta-me esperar que os próximos trinta anos sejam mais proficientes na civilidade em relação à natureza, humana e ambiental.

A nossa Mãe-Terra está exaurida.

11 comentários:

bettips disse...

Visitar conhecimentos e reler prosas, poesias, fotos, ver desenhos...hoje o faço. Serenamente e a sorrir, penso que o mundo pode ser uma caixa de ressonâncias. Sempre que nos revemos em algo de alguém. Obrigada. Ah...e os desenhos, pinturas, são teus e por isso importantes. Saídos do "pensar". Beijinho

Toze disse...

Cronistas que se baseiam em leituras de pensadores, e daí façam a "sua" certeza, a sua razão, não me dizem muito !

naturalissima disse...

"Resta-me esperar que os próximos trinta anos sejam mais proficientes na civilidade em relação à natureza, humana e ambiental."
Também assim o espero, amiga!
Entristece-me por vezes sentir e/ou quase ter a certeza que iremos viver um futuro próximo pouco brilhante, com pouca côr! :(
Quero ser positiva... quero continuar a sonhar que poderei estar enganada. Para isso também terei de fazer algo que marque alguma diferença. E acreditar na mentalidade e no esforço das seguintes gerações.
Um beijinho :)

jawaa disse...

Toze, obrigada por ter notado o objectivo primeiro da criação deste espaço:dar a conhecer os grandes pensadores, aqueles que me ensinaram (e ensinam) a olhar para o mundo de vários ângulos. Também a ser mais tolerante, ainda assim mantendo meu próprio gosto que me impede de frequentar lugares que considero reservados.

Anónimo disse...

Acima de tudo cada um deve ser o que sente, e não o que pensa que devia sentir, sequer se isso faz do sujeito uma minoria ou maioria. Que se lixem as modas sociais..

Klatuu o embuçado disse...

Uma igualdade rasa... não é desejável. Eu, pelo menos, continuo a achar que uma mulher fica sempre melhor de saia ou vestido... :)

Dark kiss.

Manuel Veiga disse...

grato pela tua visita e comentário no "relogiodependulo".

apreciei o teu texto. tens razão: igualdade não é "igualitarismo"...

(a civilização do "fast food" em seu explendor)

Buda Verde disse...

sangramos o planeta. eu sou desses que acham estão do lado de Hobbes quando diz: O homem é o lobo do homem.

abraços.

Luisa disse...

Em primeiro lugar - e quanto à tua visita ao meu blog - quero agradecer as amáveis palavras que deixaste. Sobre as malva-rosas, jerânios, sardinheiras, etc, nós, cá em casa, sempre lhes chamámos malva-rosas, embora sabendo que há mais de duzentas espécies, todas com o seu nome prório. Foi boa a tua visita porque passei a conhecer o teu blog (até aqui só conhecia as belas fotografias que publicas no PPP). Tens textos muito bons e caiu-me no goto aquele da igualdade entre mulheres e homens´. Nese ponto sou muito snob e conservadora: um homem tem de se levantar quando eu chego, tem de me abrir a porta e dar-me logo o seu lugar se não tenho cadeira.
Também não suporto ver uma mulher levantar-se para cumprimentar um homem! Aí arrepiam-se-me os cabelos e sinto que os meus antepassados se revolvem nos seus túmulos ao verem uma cena destas.A igualdade nada tem a ver com a educação e o respeito que os homens devem às mulheres.

veritas disse...

Concordo...em plenitude...

Bom fim-de-semana.

Anónimo disse...

necessario verificar:)