domingo, fevereiro 18, 2007

O tempo


Só esta liberdade nos concedem

Os deuses: submetermo-nos

Ao seu domínio por vontade nossa.

Mais vale assim fazermos

Porque só na ilusão da liberdade

A liberdade existe.

Ricardo Reis




A voz do povo é desde sempre a mais sábia: o tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem, e o tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanto tempo, quanto tempo o tempo tem. Esta frase contém em si todo o significado que possamos dar ao que chamamos tempo, a quarta dimensão de Einstein.

O tempo é Deus, só existe porque nós inventámos os relógios e os calendários. Chamamos tempo a um espaço de vida balizado entre dois limites. Cada um de nós pode ter tempos diversos dentro de si e, mais ainda, eles podem coexistir. Exemplo acabado está em Pessoa ortónimo, que conviveu com os seus heterónimos fazendo parte da vida destes.

Le temps est notre pire ennemi, escreveu Camus e não tenho a certeza de que ele estivesse a pensar no limite final de vida, nosso inimigo porque nos conduz à morte. É o nosso pior inimigo porque o não podemos vencer, é Deus porque o não podemos enganar. Ele é probo e inflexível. Não se corrompe, continua a sua marcha inexoravelmente e temos de conviver com isso.

Se não o podes vencer, junta-te a ele, e esta frase também não é da minha lavra. Para quê recusar a nós a dádiva do tempo? Para que ocultar a beleza das cãs, as rugas do riso que nos marcam a face, o andar sem pressa, a consciência de tudo conhecer, a certeza de saber tão pouco?

O tempo do frio

O tempo da praia

O tempo das vindimas…


O tempo das chuvas

O tempo do café – o tempo dos cafezais em flor, quando o branco pousa e domina todo o imenso espaço verdejante

O tempo do milho – a faina, as histórias do milho-rei, as saudades outras de desfolhadas de aldeia

O tempo…

O tempo é um rio que corre para o mar e nunca esgota a água nem acrescenta o oceano. Gosto de sentir-me o Cubango, o rio que nasce no meu planalto, corre para sul e se afunda, desaparece lentamente nas areias do Calaari.

7 comentários:

vidavivida disse...

On est assis sur la chaise et on écrit.
On est de plus en plus fatigué, de plus en plus fatigué.
On se couche à l’heure.
On mange à l’heure.
On a de l’argent,
Cést un cadeau du bon Dieu.
La vie est magnifique !
Le coeur bat de plus en plus fort, de plus en plus fort.
La mer est de plus en plus calme, de plus en plus calme,
Jusqu’au fond.

O tempo mede-se com relógios.
Diz-se que Galileu chegou a usar o rítmo do seu batimento cardíaco como relógio.

Pois é amiga, só os seres vivos o podem sentir, definir, por isso temos que o aproveitar enquanto Deus permitir que andemos por este mundo, tentando dele tirar o máximo proveito possível. Aproveita e goza o mais possível.
Um grande abraço.

M. disse...

Gostei muito deste teu post. Gosto da tua escrita.
(E obrigada pela visita ao nosso blog. M & S)

Rocha de Sousa disse...

para Jawaa
Estive a arrumar a casa, o blog,
interessado em tratar um tema que
surgira numa troca de correspondên-
cia (em correio de papel) com um
primo meu. Depois estive a ler o seu último texto, O Tempo. Embora
ainda me sinta constrangido na se-
quência daquele equívoco,tomo cora-
gem para lhe exprimir a admiração
por trabalhos como este. Porque de-
correm de uma simplicidade a que não tenho acesso (sou mais redondo
e barroco), o facto de redescobrir
ali a evocação de Pessoa (R. Reis) e de Camus, meu mestre, autor de culto.
Parece-me que a frase citada, de
Camus, significa uma boa parte do
que diz no seu texto, mas também penso que o problema resultava de não Lhe podermos pedir contas pela morte da inocência. Absurdamente, a
crinaça ainda inocente que morre em
pleno «arbítrio», sem mácula dos homens, transfere a responsabilida-
de para Deus - sempre simultâmeo, em consciência e presença no tempo
de todos os tempos. Só Ele pode al-
terar um acaso trágico, porque na hora zero coincide com a mesma hora
um milhão de anos «depois».Nós somos relativos e temporais. Ele é
intemporal (omnisciente e omnipre-
sente): vê tudo ao mesmo tempo des-
de sempre. (Creio que já falámos sobre esta questão, a qual aliás, é
a principal estrutura do me livro
A CULPA DE DEUS. Um Todo Poderoso
não dá a um ser sobrecriado o livre arbítrio, pois está, no mesmo
instante, a montante e a jusante do
pecado que a criatura cometerá, comete, já cometeu. Nessa medida, a
responsabilidade não cabe à criatu-
sobrecriada.
Depois há a morte. Quem nasce marcado por um tempo, como os re-
plicantes de «Blade Runner», tem o
direito ao desespero. Camus insis-
tia que o nosso verdadeiro processo consiste em sermos felizes mesmo sem esperança.
Ah, já fui longe de mais. Só agora
seria possível alargar a análise do
seu texto e tudo o que ele encerra
ou convoca.
Parabéns
do amigo sincero
Rocha de Sousa

Fragmentos Betty Martins disse...

Jawaa

Maravilhei-me com este texto. Parabéns!

Ricardo Reis, fez-me lembrar outras palavras - de A.Camus:

"a reflexão existencialista acaba por descobrir que só revoltando-se pode o homem dar sentido a um mundo dominado pelo sem sentido".

Beijo com carinho

vida de vidro disse...

O tempo é infinito e nós somos tão finitos!
Um abraço

JPD disse...

Acho excelente este texto.
Parabens.
:)

naturalissima disse...

Jawaa tiro-lhe o chapéu!
Fiquei deslumbrada com este maravilhoso post sobre o tempo.
Fiquei sem fôlego... li-o de seguida e o desejo era de continuar...

E que bom a existência do TEMPO! Podemos marcar com ele a nossa história.
Dentro do tempo de cada um de nós procuremos sempre ser felizes.

Fantástico ensaio!

Um beijinho e o desejo de um belo fim de semana
Daniela