terça-feira, novembro 18, 2014

E DEPOIS DO ADEUS



Passou por casa, mudou de roupa, pediu dinheiro emprestado, e antes do sol nascer atravessou a fronteira.
Voltava agora, decorrido meio século, velho, pobre, amargurado, com toda uma existência de exilado atrás de si e dorido ainda dos golpes injustos que recebera. A que vinha? Rever a terra da criação, rezar duas ave-marias na sepultura dos pais e calar uma ânsia obscura de resgate que os anos tornavam casa vez mais premente.
Passageiro anónimo da camioneta da carreira, apenas ela o alijou no largo, ficou-se pasmado a olhar o fontanário, o cruzeiro, o rego de água que atravessava a povoação e o casario que a tarde mortiça tornava sonolento. E apeteceu-lhe chorar.

Miguel Torga, "Novos Contos da Montanha"


"E depois do adeus" é um mote que traz aos portugueses a vibração de Abril, o cheiro dos cravos vermelhos, logo a seguir a cor negra do fato, o fado de xaile pelos ombros, o lamento da alma, o coração desfeito pela traição.
Por mais que o vento sopre, por mais que o inverno queime como o sol na praia, por mais que o outono se apague em vagas de calor, a idiossincrasia de um povo é mais forte e impõe-se mau grado a formação académica, mau grado a religião professada ou a ausência dela, mau grado a idade ou o estrato social.
Mau grado ainda a falência do estado novo, há coisas que se deve calar, há coisas que se sabe e não se diz, há assuntos que seguem varridos para debaixo dos tapetes, sejam eles de estopa ou de esmirna. São os velhos do restelo assombrando, ensombrando as velas dos que partem, dos que partiram há um século a procurar um mundo maior, o Portugal grande que fomos e somos ainda na diáspora. O Portugal que não é esquecido quando o exílio dói, o Portugal que apagou aqueles que partiram e não quiseram de volta.
Depois do adeus, depois de nós, é preciso renascer e criar de novo, é preciso acalmar os excessos da revolução, é preciso refazer com justiça a rede que suporta o país. Porque uma revolução acontece quando há injustiça. Retomar as rédeas tem de ser com justiça para quem puxa a carruagem mas também para quem conduz. É no equilíbrio das duas forças que está a esperança de tempos melhores. 
E não é com lamentos, acusações, paternalismo ou saudosismo que se constrói um país novo, é com acção e comedimento, com informação e formação e exigência. Quanto mais informados, mais capazes de exigências no cumprimento da cidadania. E informação, pressupõe formação a todos os níveis, é bom não esquecer.
Já se fala em eleições, já se fala em mudança.
Eu faço desde já o meu voto: que os novos dirigentes, venham eles do quadrante político que vierem, consigam circular pelo país sem medo, sem fugas, sem apupos; que saibam e possam sempre enfrentar os opositores com a dignidade que deve merecer qualquer dos altos dignitários que representam o nosso país, em nome dos Portugueses.

2 comentários:

Manuel Veiga disse...

são textos assim aos milhares - e consciências límpidas - o que o País precisa.

beijo

joão marinheiro disse...

Um Lugre Patacho em fundo na imagem a dizer tudo...