sexta-feira, julho 04, 2014

O meu Rapaz





Quando
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes no mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se ainda não estivesse morta.


Sophia de Mello Breyner Andresen







Dizer vinte anos é muito tempo. Dizer quarenta anos é uma vida, foi a vida de meu irmão. Mais vinte e são vidas, muitas vidas que se cruzam, que se apagam, que se transformam. É nascer outra vez, algumas vezes.


Quarenta anos dizia meu pai quando eu era menina e parecia-me assim uma coisa do outro mundo: há quarenta anos...


E hoje, quarenta e seis anos depois, foi a vez de esquecer uma das horas mais felizes que marcaram a minha vida. As horas já são pequenas para mim, deve ser, elas saltam, apagam a memória cansada, escondidas no novelo apertado da mesma cor, do mesmo fio, mas na outra ponta.


Há quarenta e seis anos foi um tempo difícil, foi um tempo de desassossego, foi um tempo de incertezas, de certezas inesperadas e duras, foi um tempo de decisões, de afirmação, de muita esperança também. O deslumbramento da concretização de um sonho a completar, completado.


Aquele ser pequenino veio encher o meu mundo, dar-me força para enfrentar os empreendimentos a que me propus, nunca houve cansaço, dor que me derrubasse.
E se foi difícil! Mas foi vida na sua plenitude.



Veio a desesperança, anos mais tarde. Dolorosa. E tudo se recompôs porque a vida é assim mesmo, feita de recomeços uma e outra vez, o oceano imenso a encher-me por dentro, por vezes a transbordar com as marés. 

Mas este verão, é tempo de reencontro.


2 comentários:

Manuel Veiga disse...

"porque a vida é assim mesmo..."

sábias, sensíveis e belas as tuas reflexões...

beijo

M. disse...

A beleza das palavras.