quinta-feira, agosto 08, 2013

QUEM SOMOS?




«… quero que seja de algum modo o que foi para os israelitas o solo pingue da Palestina, que transformou esses vagabundos do deserto, só pele, ossos e cobiça, em habitantes sedentários, satisfeitos com a vida, criando arte, constituindo uma personalidade. É muito pedir? Então o nosso oceano não há-de dar mais que duas sardinhas, uma que vai podre para o estrangeiro nas latas de conserva, outra que chega corchada, ardida, ou amarela da salmoira, à aldeia das serras? A seara portuguesa não há-de produzir mais que dez sementes e no pomar só hão-de amadurar pomos bichosos? A minha linguagem indignada, estou a ver, presta-se ao riso, mas nem por isso deixa de me assistir uma inexorável justiça.»
Aquilino Ribeiro in «O Arcanjo Negro»



O meu país desgosta-me a cada passo. 

Digo mal: os homens e as mulheres que gerem os destinos do meu país desgostam-me, não me representam, e por isso eu decido agora não votar em qualquer das eleições que se avizinham. E digo-o de coração partido, porque desde sempre pensei que era uma desonra, era de uma enorme cobardia não participar nas decisões importantes, fundamentais, da construção de nós. Se votar é um direito que me assiste, por que tanto se lutou durante décadas da minha própria vida, votar é bem mais do que um direito, é uma obrigação. Sempre pugnei pelo voto, voto que fosse em branco, mas voto, porque o acto de votar é uma obrigação do cidadão. 

Só que não me sinto cidadã, é uma palavra que foi morrendo devagarinho cá dentro. 

Digo isto assim, ao ouvir as notícias da manhã que me despertam em cada dia. As palavras que dizem que o governo, com o dinheiro que anunciam diminuir ainda mais a minha reforma, o governo que gere os impostos que eu paguei durante 4 décadas de trabalho – e que continuo a pagar – vão ser destinados a financiar as escolas privadas independentemente de haver nos locais onde existem escolas públicas, para que os filhos de Portugal possam escolher a melhor (???!!) escola. E para quê? Para irem mais tarde aplicar os seus conhecimentos fora do país porque aqui não há caminho para eles, aqui só há caminho para os analfabetos, os imigrantes de baixa escolaridade, os velhos. Ah, e os muito ricos, cada vez mais engrossada essa estirpe superior (Não têm pão? Comam croissants!) que se distancia mais e mais dos ideais de solidariedade, igualdade, fraternidade, que nos legou a Revolução Francesa. 

Mais parcerias público-privadas? Algo parecido, com outros nomes, mas mais do mesmo. O que é preciso é exaurir o país até à última gota, diminuir os salários, as reformas (menos as dos juízes e diplomatas – em nome de que Justiça?), atirar para o desemprego mais uns milhares, mas manter as mordomias dos altos dignitários do Estado, aumentar o rol dos incompetentes e desonestos que proliferam como cogumelos pela política e nunca perdem estatuto. E não me venham com nomes de partidos políticos porque, mesmo os que se dizem de esquerda radical, quando toca a falar-se de reformas que lhes toquem, também a eles, logo se unem aos de extrema direita. Por isso não tenho em quem votar. Não convém, nunca conveio, dizer da importância do voto em branco, explicar ao povo a importância do voto em branco, e por mim não vale a pena lutar, nesta altura já nem tudo vale a pena. 

Perdoe a quem me lê os buracos na rede da escrita, o que queria dizer mais é tanto que nem caberia aqui. Termino com a constatação definitiva da ignorância que grassa pelas altas esferas da política e me envergonha pesadamente: a designação para Alto Comissário da Casa Olímpica da Língua Portuguesa no Brasil do Sr. Miguel Relvas.  

O país que temos, o país que somos. À mulher de César já nem basta não ser séria, é preciso mostrar que não o é.

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