quarta-feira, abril 18, 2012

O tempo e os homens


 
Minha mãe, minha mãe! ai que saudade imensa,
Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti.
Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se voando em torno dos seus lares,
Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
Era a hora em que já sobre o feno das eiras
Dormia quieto e manso o impávido lebréu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
E a Lua branca, além , por entre as oliveiras,
Como a alma dum justo, ia em triunfo ao Céu!
E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço,
Vendo a Lua subir, muda, alumiando o espaço,
Eu balbuciava a minha infantil oração,
Pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
Que mandasse um alívio a cada sofrimento,
Que mandasse uma estrela a cada escuridão[…]

Guerra Junqueiro



 Ainda o dia mal aponta as coisas e já o melro chama os seres para a lida.

Mesmo quando a madrugada se prolonga em nevoeiros a ameaçar chuva, ele percorre o jardim em busca de vermes escondidos na humidade da terra, ele levanta com o bico forte o cascalho, as pedras, tudo o que pode esconder o seu sustento e dos seus, não se incomoda se altera a ordem do jardim, a limpeza dos espaços em redor dos vasos que vasculha em nome da necessidade imperiosa de alimento.

Vivo e atento ao menor ruído discordante, segue o seu caminho sem se preocupar com os sinais deixados. Também não deve nada a ninguém, talvez apenas ao corvo a quem roubou a cor das penas, talvez à gema de ovo a quem pilhou a cor do bico.

Tenho uma simpatia especial por esta ave, alguém desse reino que eu desejei conhecer desde que aprendi de cor os primeiros versos do poema de Junqueiro, Guerra Junqueiro que nasceu 100 anos antes de mim e, segundo me lembrou o Google, comemoraria hoje mais um aniversário de vida, se a morte o não tivesse impedido de completar sequer meio século.

Os homens vivem e passam, alguns passam e não vivem, outros passam e deixam marcas. Não importa a quantidade de tempo, importa a qualidade dele. Tenho a certeza de que qualquer melro vive o seu tempo por inteiro, tem alma para se erguer pela alva, tem tempo de chegar ao fim do dia e desafiar todos os ruídos falsos do progresso com uma cantoria do alto do seu pinheiro em louvor dos últimos raios de sol, só se aquietando para dar voz ao rouxinol. 

É o melhor desta primavera.

5 comentários:

Rafael Almeida Teixeira disse...

Viver, a cada dia vivido, tem se tornado mui difícil. Contudo continuo vivendo na tentativa de se viver mais e da melhor maneira.

\0/ afetuosos

Manuel Veiga disse...

também eu soube de cor o poema de Junqueiro.

o teu texto é luminoso. sempre

beijo

Alien David Sousa disse...

Continuas com jeito para fazer voar as palavras.
Um beijinho, gostei de tua visita

Justine disse...

Sabes que partilho contigo essa simpatia pelos melros? Há um casal residente aqui no jardim,que constantemente impõe a sua presença: seja a vasculhar a relva, seja a tomar banho na caçarola da água do Mounty,no pátio, seja a cantar com alegria e despreocupação. São belos. E são tão seguros de si que nem dos gatos têm medo. O Mounty olha-os de longe, sem tentar aproximações...
Abraço para ti:)))))

Anónimo disse...

Também gostei desta e do engenho da
escrita: ela nos fala de um corvo não muito recomendável, ávido do que não produziu, e volta-se para a
vinda das arquitectas dos beirais,
as andorinhas. eus, por vezes, vem
com elas.
Rocha de Sousa