quinta-feira, abril 14, 2011

As palavras e as rosas



Queria deixar uma catedral de palavras e dou-me conta que a catedral não tem fim. Queria arredondar o edifício, fechá-lo, e dou-me conta, desolado, da impossibilidade desse fecho, dada a inevitável limitação da vida. Não morrerei satisfeito, morrerei com a dor de não ter tido tempo.. Construirei uma obra mais duradoira que o bronze, afirmava Horácio: isso julgo que consigo. Ou Ovídio: hei-de sobreviver ao tempo, ao ferro e ao fogo: isso acho que também consigo. Porém desejava mais do que isso: uma música sem fim, uma sinfonia total. Decerto o que digo é a frustração de todo o artista e o inevitável destino da condição humana.

António Lobo Antunes in revista «Visão» 7/Abril


 Rendo-me incondicionalmente ao esplendor das rosas.

Para além da beleza, para além da pujança de cada planta a explodir em rebentos de folhas, de flores, gemas ainda verdes, depois divulgando a cor, abrindo em botão, o odor da rosa aberta e ainda por fim desmaiadas, as pétalas desprendidas, marcadas, queimadas pelo sol, a sedução permanece.

Como as palavras que se constroem em edifícios e se asseguram mais perenes que o bronze, é preciso que a condição humana não se altere na submissão à matéria, porque só o espírito pode manter vivos os imortais desta estirpe. O bronze nem é um metal puro, é uma liga baseada em dois metais macios que, ligados, fundem as cores e originam a força e a perenidade do bronze. Passam pelo fogo. As palavras passam pela educação do espírito.

É preciso que se escreva, e se escreva bem.

É preciso que se passe alguma mensagem, é preciso que se registe a História das gentes, muitas vezes é preciso que o tempo passe, como o fogo passou pelo estanho e pelo cobre, antes de ser bronze. Agora, é preciso que aqueles que fundem o bronze saibam construir com ele a estátua, e para saberem construí-la, é preciso que a conheçam bem, que lhe notem o gesto e o tom, que lhe conheçam os músculos e as rugas.

Então teremos uma estátua, uma catedral, e não importa que não esteja terminada. Gaudí deixou a catedral de pedra inacabada e não lhe tirou beleza, as capelas imperfeitas do Mosteiro de Santa Maria da Vitória não impedem de celebrar a Batalha.

2 comentários:

Rocha de Sousa disse...

O que diz sobre a rosa é recorrente
mas verdadeiro. Embora todas as fo-
lhas e pétalas que habitam a terra
possam entrar em extinção como al-
gumas espécies e nós próprios, pa-
rece certo que o horror começa a o-pacificar tudo.
Hoje já sabemos que os menores nú-
cleos da matéria são como os peque-
mos núcleos da galáxia e esta será
dissolvida por inteiro num «peque-
no» buraco negro.
Estou cada vez mais perplexo e mar-
cado pelo non-sense do nosso fim, incluindo o das rosas mais belas que nos rodeiam-

M. disse...

O que fica por acabar pode ser o "princípio" em alguém.