quinta-feira, dezembro 02, 2010

Esperança

Quem ama a liberdade conhece que é idêntica
a verdade e a não-verdade o ser e o vazio
e por isso na sua celebração a metáfora expande-se
na liberdade de ser a ténue sabedoria
desse momento e só desse momento em que o arco cresce
Há então que procurar a chuva dessa nuvem
ou desdizê-Ia não para o nosso olhar
mas para um outro rosto de areia que cresce no vazio
e poderá ser de pedra ou de ouro ou só de uma penugem…

António Ramos Rosa

 A vida não é, decididamente, a preto e branco.
Há momentos de rara intensidade, de dor e impotência, de prazer que tolda os sentidos, riscados a carvão que se fixam com aqueles esquissos por mão segura que conduzem depois à obra final, onde se marcam com firmeza os verdadeiros contornos.
A vida é feita de cor e de momentos, não é sempre um lago tranquilo, antes um mar ondeado e vário sem cor definida, do azul ao verde, perdendo-se em cinzentos esbatidos de uma profundidade a que nem sempre acedemos, onde nos afundamos para o melhor e o pior.
Nada está bem ou mal, não há mentira sem fundo de verdade, menos ainda verdades sem remissão. Não há amor nem ódio, há desamor que se constrói em indiferença e esquecimento, há os contornos dos afectos que se enrolam em ondas, em rituais familiares que atravessam gerações, há as memórias a preservar. 
E finalmente há a esperança.
A esperança que nos faz ser eternos enquanto vivemos, porque nada se constrói quando o espectro do escuro nos tira o prazer de cada dia de luz. Como parece estar a acontecer neste país de sol, onde se vive de uma morte anunciada, como se a morte fosse o fim de todas as coisas, como se sobre cada fenecer não se erguesse outra, outra Primavera.

3 comentários:

Justine disse...

Há razões muito concretas, muito palpáveis, para muita gente estar sem forças pra sentir alegria...é o máximo que nos podem roubar, a alegria de viver!

Rocha de Sousa disse...

A esperança pode enganar a realida-
de apodrecida que já mora dentrode nós e só se revela após anos de vi-
tal candura.A espernça, entre con-
tentamentos, é um deus subalterno,
pode ajudar-nos a esperar a salva-
ção no limite da dor. Não apaga as
dúvidas mais profundas nem as dores
mais atrozes.
E, contudo, por vezes ela anima-nos
quando a vemos passar numa procis-
são com flores, um sonho afinal obscuro de ressurreição.

Manuel Veiga disse...

rumor das palavras sábias. na suavidade intima e envolvente das coisas simples. e belas...

beijos