sexta-feira, dezembro 10, 2010

(In) Segurança


"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens."

João Guimarães Rosa

  
Um dia destes o céu bramiu, troou com fúria, acendeu-se repetidamente. Abriu-se em sopros assustadores e derramou-se em cortinas de chuva.

Quase assomaram os medos de outrora naquele desabar de água tocada por um vento feroz, entre ribombos e luzes que acendiam o mundo a um tempo.

Inconscientemente, a exemplo da infância longínqua, a cama parece ser o refúgio perfeito para a tempestade lá fora. Parece, não. Não é, porque tudo mudou entretanto. Já não há cobertores «de papa» para nos proteger dos relâmpagos, não mais a voz da Mãe a repetir Santa Bárbara! a cada trovão, não mais os risos do irmão para espantar os medos.

O medo agora é diferente, já não é por nós. É a consciência da segurança e do conforto, ao lado da precariedade dos outros, os sem-abrigo da sociedade que construímos com muros de betão a separar os homens, sem portas, sem janelas, sem poderem dar-se as mãos e contar os segundos depois do raio, até chegar o som do trovão.

Sobram os encontros da web, os facebooks, os twitters e os outros, mas a natureza que pulsa, benigna ou assustadora, não está presente.

E ela é parte de nós.

3 comentários:

Nilson Barcelli disse...

Há tantos medos... por nós e pelos outros.
Excelente texto. Gostei.
Querida amiga, bom fim de semana.
Um beijo.

Manuel Veiga disse...

o medo não é por nós...
tão frágeis e sós!

belissimo.

beijos

Justine disse...

A natureza dá-nos sinal de cansaço, de revolta,de raiva, é metáfora dos nossos medos, os ancestrais e os actuais e do futuro.
Belíssimo texto de reflexão filosófica, Jawaa.
Beijo