domingo, outubro 17, 2010

Eco



[…]Foi esta a causa verdadeira
da guerra pertinaz, horrível, carniceira,
que as tribos dividiu. Na luta fratricida,
Omar, filho de Anru, perdera o alento e a vida.
Anru, que lanças mil aos rudes prélios leva
e que em sangue inimigo, irado, os ódios ceva,
incansável procura, e é sempre embalde, o vil
matador de seu filho, o tredo Mualhil.
Uma noite, na tenda, a um moço prisioneiro,
recém-colhido em campo, o indómito guerreiro
falou severo assim:
- "Escravo, atende e escuta:
Aponta-me a região, o monte, o plaino, a gruta
em que vive o traidor Mualhil; dize a verdade;
dá-me que o alcance vivo, e é tua a liberdade!"
E o moço perguntou:
- "É por Alá que o juras?"
- "Juro!" - o chefe tornou.
- "Sou o homem que procuras!
Mualhil é o meu nome: eu fui que despedacei
a lança de teu filho e aos pés o subjuguei!"
E, intrépido, fitava o atónito inimigo.
Anru volveu:
- "És livre! Alá seja contigo!"

Gonçalves Crespo, O Juramento do Árabe


 
Ouve-se o eco se gritarmos nas dunas?

Não queria alguma vez esquecer o som do eco quando subia ao alto da pedra do Kussava ou à serra do Andacá, à berma de um rasgão na pedra, ou então na barragem do Kuando se a água descia muito de nível. Colocar as duas mãos em tubo diante da boca e gritar: eco! E as pedras respondiam uma e outra vez modificando o tom até longe, longe, até deixar-se de ouvir.

Nunca estamos sós. Partilhamos a nossa estada no planeta com uma miríade de seres ocultos que só os sentidos apurados nos fazem encontrar e a necessidade de conhecimento nos faz compreender. Mas cada um de nós é um ser diferente consoante o horizonte onde nos movemos, o espaço que os passos nos concedem neste caminhar nem sempre de céu limpo e sereno.

Nunca estive uma noite no deserto. Mas a sensação de esmagamento, de poder sem limites, deve ser avassaladora. A estrada de luz pintalgada na capa negra que nos envolve, a silhueta das dunas, a sensação de nos vermos reduzidos a mais um grão de areia na imensidão, deve dar-nos aquela emoção doce de partilha sem reservas, o mundo inteiro bem dentro e nós desfalecidos na entrega da mente e do corpo. Hão-de ouvir-se os segredos do cosmos.

5 comentários:

Manuel Veiga disse...

que os segredos do Cosmo não distraiam os destinos da Humanidade!

bem sei que visa mais alem. mas não consigo deixar o dedo que aponta...

excelente, pois claro!

beijos

Rocha de Sousa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rocha de Sousa disse...

Não sei o que dizer ao confrontar-
me com a imagem dessa viagem a um
lugar de solidão,sentindo vida es-
condida em volta, ou com a conota-
ção feita através do deserto, para-
gem no vazio e no silêncio. Ocorre-
-me a idea de uma terrível dificul-
dade em respirar, ainda certo de que a vida cósmica continua invisí-
vel por todos os cantos. É também uma questão de medo e de deslumbra-
mento, o peito tenso.

Rafael Almeida Teixeira disse...

É sempre bom ler tua escrita.
Cada vez aprendo um poucochinho mais.
Afinal, nunca estamos sós, somos mais do que um.

Abraços afetuosos.

Justine disse...

Local de encontro com os nossos silêncios mais recônditos, e local de encontro com todos os sons universais. Há que experimentar, um dia:))