sábado, maio 15, 2010

O pequeno salto



«Lá dentro, espera-o uma assembleia composta sobretudo por religiosos e religiosas. Mas quando o Pontífice entra o templo é um cenário de concerto pop: palmas e gritos, pessoas em pé sobre os espaldares das cadeiras e dezenas de telemóveis ao alto, a filmar e a fotografar. Não chega contemplar e sentir, parece, nem sequer entre aqueles a quem a seguir o Papa vai falar, na sua voz pausada, agora cada vez mais rouca, às vezes quase inaudível, sobre saber escutar com o coração e dar disso o exemplo.»
Fernanda Câncio in DN




A visita do Papa ao nosso país, também ele Chefe de Estado, desencadeou protestos de todas as bocas, por este ou aquele motivo. Também houve quem se insurgisse contra a animosidade a uma figura inquestionavelmente inteligente, e humana que baste para a sua condição de Sumo Pontífice de uma Igreja que dominou, e domina ainda, uma parte importante do mundo. As palavras que proferiu nas homilias não foram ditas com o coração, eram discursos pré-escritos, agravados pelo facto de serem proferidos numa língua que o Papa praticamente desconhece. Mas espero que tenha sido tocado pela fé que os Portugueses ainda demonstram por olhos cheios de lágrimas de emoção perante a sua figura, por actos inomináveis diante de uma Virgem em cujo poder e milagres acreditam.

No terceiro milénio depois de Cristo, não poderia um homem com o seu poder alterar pela positiva uma doutrina que já não diz nada aos verdadeiros cristãos de hoje? Todo o fausto, todo o cerimonial, toda a expressividade demonstrada pela multidão como em «um cenário de concerto pop», a publicidade à sua volta, a tudo a Cúria se adapta. Por que não avançar para uma palavra sã, dita ali na hora certa, de que a generosidade da Senhora de Fátima não depende dos sacrifícios corporais a que se submetem os seus fiéis? Para quem crê, para quem sente a religiosidade profundamente, uma palavra doce no momento certo iria fazer a diferença. E o Papa seria então o representante de Deus na Terra, aquele que tudo pode, o que veda o sofrimento, o que orienta as almas, o que diz a verdade que se espera.

Disse, e bem, que o mal da Igreja está dentro dela. Também Portugal tem o mal dentro de si e urge apontá-lo e enfrentá-lo e revertê-lo. Acabar com a mentalidade vinda da ditadura, do orgulho da fuga aos impostos e ao trabalho, das baixas para férias, do miserabilismo instalado. É preciso reagir neste país de rastos e não é desonra fazer pela vida, ainda que em circunstâncias menos satisfatórias ou consideradas menos apropriadas ao saber de cada um. A Ditadura, felizmente acabou. A Democracia, somos nós que a conduzimos, o Estado, somos nós. Temos uma sociedade constituída e, para além de termos o Dever de trabalhar para ela, temos o Direito de exigir conhecer onde e como estão a ser aplicados os nossos impostos. Quando elegemos um dirigente, se o elegemos, temos de confiar também na sua responsabilidade perante o país e não esgrimir contra ele quotidianamente. Temos eleições periódicas e há sempre o direito de alterar o que não nos parece bem.

A comunicação social tem responsabilidades acrescidas quando esquece a sua função que deveria ser de independência estabilizadora e atenta, e enche os telejornais de desgraça e misérias, sem notícias alargadas ou sequer resumidas de quanto actualmente nós damos cartas ao mundo em múltiplos saberes, que vão da investigação nas várias vertentes da Ciência à expressão das Artes. Nós temos um país de beleza inigualável, nós somos um povo com História, a divulgação da Cultura tem de ser uma prioridade para afastar os fantasmas da iliteracia vigente.

Citando Aristóteles, a identidade e a diferença entre os homens exprimem-se e medem-se pelas suas paixões.  

3 comentários:

dona tela disse...

O TEMPO PASSA, NÃO É?

Rocha de Sousa disse...

A visita que tão bem comenta não passou de uma encenação cujo pra-
gmatismo, nomeado de sabedoria e
de bondade, não passou de fraco
ilusionismo, na mais feérica das
grandezas romanas.
É verdade que o mal está dentro da igreja. Está agora como sempre es- teve.Do mesmo modo os nossos males
não se curam entre multidões, quer
em Fátima, quer no Vaticano.
A evolução espiritual já nos deve-
ria ter libertado de todas estas elementaridades, liturgias pompo-
sas. Tudo isso beneficia quem? Cla-
rifica o quê? Alivia-nos de que in-
certezas?
O milagre está em nós,não nas igre-
jas. Os nossos males não se dirimem
por Papas, por reinos de Poder ce-
go. Contra os dominadores, especu-
ladores, incluindo duvidosos impé-
rios como o Americano, o Europeu, os Asiáticos, devemos esgrimir a nossa indignação e a fala purifica-
dora de «As Mãos Sujas»: Não recu-
perado.Somos soberanos pelos sécu-
los de várias sabedorias, não pelo
capital desfeito e apodrecido: an-
tes a história que fizemos e a be-
leza de que usufruimos.
Embora nos ceguem todos os dias e
nos matem com a fé de política ir-
racionais.
Até levou as cadeiras, o Bento XVI.
O que vale é que não deixou rasto.

Manuel Veiga disse...

também eu cometi a "heresia" de comentar a visita do Papa...

a lúcido e sensivel o teu texto.

gostei muito
beijo