segunda-feira, março 08, 2010

Encontros



Quero acabar entre rosas, porque as amei na infância.
Os crisântemos de depois, desfolhei-os a frio.
Falem pouco, devagar,
Que eu não oiça, sobretudo com o pensamento.
O que quis? Tenho as mãos vazias,
Crispadas febrilmente sobre a colcha longínqua.
O que pensei? Tenho a boca seca, abstracta.
O que vivi? Era tão bom dormir!

Álvaro de Campos
 


Entre espaços, ocorrem-me fulgurações da minha terra perdida. 

Os documentários autênticos, de realidades atrozes perpetradas em actos de selvajaria por mentes insensatas, são por demais doentios para as acompanhar, basta-me saber que existem.

Da África representada no cinema, só a música e a paisagem são para mim verdadeiras e tocam o meu espaço interior. Tudo o que normalmente se acrescenta é pura ficção, o que não deixa de ser atractivo. Quando era pequena, e não conhecia outros lugares fora daquele continente, perdurei deslumbrada com as aventuras de Tarzan e sua Chita, com as Minas de Salomão, era uma mistura de encantamento e orgulho por eu própria pertencer ali, àquela fantasia afinal tão perto.

A distância, o tempo de ausência, a irreversibilidade dos caminhos percorridos, impõem uma realidade dolorida que acontece a cada esquina. São os mortos levados pelas enxurradas, as casas desmanchando-se pelas colinas, os braços estendidos em pedidos de socorro e despedidas que sabem ser para sempre.

O tempo corre devagar quando se trata de reconstruir.
 

4 comentários:

Manuel Veiga disse...

irreversível o tempo.

fica a decantação. como aguardente da Vida. sorvida lentamente.

belíssimo texto de memórias.

beijos

Justine disse...

...é um continente a ser pilhado obscenamente, dia a dia.
Imagino-te em cicatriz!

Rocha de Sousa disse...

Boca seca e abstracta.
Era tão bom dormir.
Nota-se neste texto que mais vale lembrar o Tarzan (a infância) do que abrir a consciência à realidade
da dor. Talvez fosse boa essa per-
manência. Para continuar um sonho
florido e pacificado, sabemos bem
como Camus começa o seu ensaio «O
Mito de Sísifo»

elias junior disse...

Fazemos tudo pelo impossível e pouco pelo possível. A Terra toda vem sendo mal tratada pelo homem.Vale expressar o sentimento e misturá-lo ao sofrimento do mundo, dar voz aos que estão mudos,deixar escorrer uma lágrima que seja pelos inocentes.