segunda-feira, dezembro 21, 2009

Esperança somos nós




Estendeu o braço e apanhou a flor. Quanto valeria aquilo em Portugal! E a mata estava cheiinha delas! Eram orquídeas preciosas, de recorte singular e surpreendentes cores, cactáleas de pétalas terças de lírio, que tinham algo de sexo virgem e fascinavam como uma ilusão. Parasitárias, as raízes que lhes davam vida prendiam-se, como tentáculos, a caules de seiva rica e nunca mais desfaziam o abraço. Metade da selva vivia da outra metade, como se a terra não bastasse para o império vegetal e fosse necessário sugar as árvores que chegaram primeiro.
Ferreira de Castro









Depois de uma tempestade sempre vem a bonança, é voz do povo, voz de Deus, voz da razão nem sempre. A questão mais complexa reside no tempo da procela em que é preciso fazer alguma coisa para minimizar estragos, encontrar saídas; mesmo Noé teve de soltar um corvo, a seguir uma pomba, uma e outra vez, até que a ave lhe trouxe um ramo de oliveira, sinal de que as águas tinham baixado, que havia terra firme, quarenta dias depois. Mas aí as coisas eram mais simples, como simples as gentes; era olhar as águas e crer, crer e esperar, ver emergir o cabeço dos montes, as colinas, os vales, a planície enfim em todo o seu esplendor. A arca atracada, repovoar a terra.
Agora, os bichos da arca são outros. Mais inteligentes, mais estudados, mais sabedores, já não temem a Deus. Não se assustam com o subir das águas onde só os mais fracos se afundam, porque vivem nas terras altas e nem crêem no dilúvio. E, apesar de tudo, é neles que reside a esperança.
Cresci com a natureza, onde as árvores nunca se despiam de verde, onde se alternavam as estações entre chuvas e cacimbo, exuberante ou agreste, mas sem o ondear das temperaturas europeias. Sem primaveras pujantes de promessas, sem verões varridos de vento suão, sem o pincel amolecendo as cores nos suaves serões outonais, sem a frente fria fiando o gelo no tear das noites de inverno. A luz coada pela névoa, o esplendor do céu aberto, o som da chuva ou o granizo saltando no vidro da janela, povoam a minha alma, e é ali que eu respiro, é ali que eu colo os seres que moram dentro de mim, ontem, hoje, agora e sempre.
Olhando por cima das nuvens, com albatroz sulcando o oceano ou borboleta escolhendo a flor, o que me preocupa entre tudo é o equilíbrio do dia. Porque dele depende o cumprir dos anos e a sobrevivência, a continuidade de mim enquanto humana. Não sou eterna, mas a peça que faz a eternidade. Cada um de nós tem essa responsabilidade, e dar conta dela é um passo imprescindível à sobrevivência de nós. Olhar o mundo de cima, é situarmo-nos no espaço, encontrar o signo a que pertencemos, conhecer os planetas que nos regem; depois, construir o nosso próprio caminho com o possível equilíbrio.
Todo este deambular do espírito pousa na cimeira de Copenhaga, que deveria decidir tudo e não passou de um faustoso encontro de nobres privilegiados, com direito a sangue azul, aviões particulares, hotéis de seis estrelas e sexo qualificado grátis. Não sei se ainda existe clero, porque burguesia deixou de haver. Para o povo, sobraram os discursos mais ou menos bem elaborados.
Não quero saber do mundo deles; do dinheiro que distribuíram. Quero saber deste país pequenino entre maiores. Quero saber dos espaços que avisto nesta minha região ribatejana, plantados de pinheiro manso e olival novo. Quero questionar os espaços que vejo crescer até à porta dos casais, plantados e replantados do feroz eucalipto.
Não deveríamos começar por aqui?




2 comentários:

Paula Raposo disse...

Na beleza das coisas simples.
Muitos beijos.

M. disse...

Gostei muito deste dueto...