terça-feira, novembro 24, 2009

Horizonte

Dança o cão, dança o gato, dança o feijão carrapato
Diziam-me isto, em criança, eu adorava. Voltou-me hoje à ideia, passado tanto tempo.
Tanto tempo, uma ova: era menino, limitei-me a piscar os olhos e fiquei como agora.
Entende-se a maldade? Eu não entendo. Piscar os olhos é um instantinho, que raio de merda aconteceu? Mascararam-me com rugas, cabelos brancos, vontade de ir mais cedo para casa.
Brincadeira de mau gosto, a idade.

António Lobo Antunes





Nascer num tempo que já não é, dobrar esquinas que já não há, conviver com seres que já não estão.
Pois sim. Parece ter sido ontem que aprendi a amizade construída entre todas as espécies, os bichos, as plantas, a natureza inteira. Aquela emoção doce que nasce da convivência entre seres que se encontram numa qualquer esquina da vida e se dão as mãos, cada um sentindo do outro o calor, olhando-se com espanto. E um desfraldar de bandeiras de cores e desenhos, olhá-las ao vento qual papagaios de papel ondeando no céu, e o riso correndo na areia molhada. O sentimento que fortalece no primeiro tombo, no enxugar da lágrima, na compreensão, na separação, no desvendar das diferenças, na procura das pontas em que passa agasalho e afecto.
Por isso eu ainda preciso da alegria dos pássaros, da ironia do sol por entre a cortina da chuva, do som dos beirais tocando, a trovoada compondo a sinfonia da noite, na escuta quieta entre os lençóis. Preciso das flores e do cortejo de insectos que lhes beijam as cores, das vozes das gentes, do sorriso dos velhos e dos gritos das crianças.
Preciso de ouvir os sons para a vida, como se não houvesse gente a morrer com fome.

1 comentário:

Paula Raposo disse...

Um fabuloso texto teu, a acompanhar as palavras do Lobo Antunes, que são (assim) tão verdade. Também.
Beijos.