domingo, setembro 13, 2009

Relâmpago

O que nos chama para dentro de nós mesmos
é uma vaga de luz, um pavio, uma sombra incerta.
Qualquer coisa que nos muda a escala do olhar 
e nos torna piedosos, como quem já tem fé.
Nós que tivemos a vagarosa alegria repartida
pelo movimento, pela forma, pelo nome,
voltamos ao zero irradiante, ao ver
o que foi grande, o que foi pequeno, aliás
o que não tem tamanho, mas está agora 
engrandecido dentro do novo olhar.
Fiama Hasse Pais Brandão




Os momentos que precedem qualquer acontecimento importante, raramente são importantes.


Já os que lhe sucedem, transformam-se subitamente em horas desmesuradas, dobrando em número de minutos, os segundos crescendo no silêncio arrasador. Seja a dor sem palavras que os lábios não proferem para suster o soluço, para reter a secura no olhar, a espera para o passo cambaleante mais firme, os ouvidos já registando o som compassado do relógio batendo as horas, do pêndulo marcando os segundos; seja uma ventura infinita a traçar novo rumo, o espaço aberto a todas as divagações, paralisado na contagem do tempo, o ar parecendo o que é, o nada que os olhos vêem, o mundo inteiro embriagado nas órbitas, sem lugar para as pálpebras descerem a afastar o mar que os invade.


Outra vez a vida chamando, porque ainda não acabou de debitar os dias e as noites, porque a lua não pára de sorrir inteira ou jocosa curvar-se estreita e voltar-se, e recomeçar, indiferente às nuvens, rainha em paço de estrelas. É preciso seguir no esteio dos que nos precederam, cada um de nós percorrendo a sua passadeira vermelha, brilhando ainda que o peito estale de negrume onde apenas um pirilampo acende e apaga, longe dos holofotes devastadores.


É que atrás da pequeníssima luz intermitente há todo um misto de fantasia e dura realidade, nada inteiramente desconhecido, antes familiar e de aroma e gosto indizível a que não podemos fugir, como do sangue no dedo picado que levamos à boca.


5 comentários:

Paula Raposo disse...

Um fabuloso poema de Fiama, de quem gosto imenso! As tuas palavras poéticas do que se segue a um momento importante. Achei fantástico. Beijos.

Justine disse...

O tempo. A relatividade do tempo. E da vida. A aprendizagem dessa relatividade, sempre difícil. Assim te leio!

Rocha de Sousa disse...

Há certas aves que voam baixo, pla-
nando, olhando, se calhar porque sabem que toda a paisagem é muito mais bela vista das alturas e que é preciso reconhecê-la, nos perigos e surpresas em aproximação cuidada.
Este texto poético, gosto claro da
autora, é um exercício de beleza e desabrocha da importância do silêncio para o instante revelador da agulha.
Tudo é relativo, mas entre os espaços mais densos é preciso ter
em conta algum despertar de
assombro.
ao picar um dedo.

Manuel de Santiago disse...

Ciarto, cara amiga. San Agustín decía "Yo te buscaba fuera y Tu estabas dentro". Él es esa luz que da relieve y consistencia a nuestra vida.
Un saludo.

M. disse...

Belíssimo, Jawaa! E sábio!