sábado, junho 06, 2009

(In) Justiça


Certas palavras podem dizer muitas coisas;
Certos olhares podem valer mais do que mil palavras;
Certos momentos nos fazem esquecer que existe um mundo lá fora;
Certos gestos parecem sinais guiando-nos pelo caminho;
Certos toques parecem estremecer todo nosso coração;
Certos detalhes nos dão certeza de que existem pessoas especiais,
Assim como você que deixarão belas lembranças para todo o sempre.

Vinícius de Moraes




Amanheceu um sol amável sobre a pele, o céu claro chamando as nuvens que acorrem lentas, convocadas pela brisa dançando nas folhas. Eis que crescem para mim, trajadas de cinzento escuro, a falar-me da chuva que eu gosto de ver chegar.


Afinal, cresci com elas bordando o meu horizonte, o som da chuva açoitando as vidraças, logo depois o sol a irradiar num azul puríssimo. E a água escorrendo humilde, a deixar as folhas lavadas, dando brilho às flores, amaciando a terra. E a água, sempre a água a brotar em fontes, a seguir em braços, a fazer-se em rios, a despenhar-se em fráguas, ou simplesmente deslizando no seu caminho vário a entregar-se ao mar.


É uma questão de amor, isto da chuva: longo tempo de ausência e breve as saudades me afagam. É uma mistura de sentidos, é uma espécie de ritual da natureza que acorda por dentro uma infinidade de lembranças, entre medos e contentamentos. Dá-me uma sensação de força e plenitude, também de serenidade e paz. Preciso dela muitas vezes.


Neste pulsar dos afectos, nem é preciso falar de gentes, que a natureza é pródiga em exemplos de afectividades aparentemente estranhas, que passam distantes dos laços de sangue, classe, ordem, tipo ou género. Entre as pessoas, gerir afectos ao longo da vida é tarefa difícil. A infância é o viveiro onde se criam todos os liames no que toca à relação com os outros e não me parece que uma criança se importe da cor de quem lhe mitiga a fome, do ADN de quem lhe presta cuidados e o abraça quando se sente inseguro.


Não me conformo que alguém, em nome de uma qualquer justiça, possa retirar – à força! – uma criança dos braços de seus pais.




2 comentários:

Manuel Veiga disse...

texto delicado e sensível. como gotas de alma caindo. como abençoada chuva...

beijo

Rocha de Sousa disse...

Panteísta e platónica, há muito que
se voltou para a luz da entrada da Carverna. Percebeu então que o real
era mais diverso (as sombras com a luz - e um espaço sem fim,carregado
de flores). Vieram as nuvens escuras e houve a revelção da chuva fresca.
Neste texto, o leitor é enganado pela perfeição das coisas e do próprio estado de alma. Tudo bem...
mas que não nos tirem as crianças, à força, após tanto tempo entregues
nas famílias de acolhimento!
Devagar, dagarinho... e um choque
directo às nossas consciências. Eu
sinto mais ou menos o mesmo, conforme os casos. Mas sabe? Foi para mim, dadas as disparidades,
muito perturbador ouvir o pai russo
da menina. Um rostto aparentemente
saído do cinema, falando um português lento, lacunar, mas bonito. E dizendo apenas que a mãe
da menina não foi boa, mas vai ficar boa.