terça-feira, fevereiro 17, 2009

A avaliação dos sábios


Então, naquele caminho perdido da Mesopotâmia, sob a tristeza imensa da tarde, os dois sábios, filhos de Seth, determinaram arquivar, escrevendo em matéria imperecível, a ciência que possuíam, que era a ciência total daquela primeira humanidade. Durante três dias, durante três noites, num vale onde acendiam fogos, à beira de uma fonte que rugia, inchada com a cólera que Deus já comunicara a todas as águas – os dois sábios sem repouso, ansiosamente, espreitando as nuvens, gravaram sobre o granito e gravaram sobre o tijolo o livro de todo o saber. Depois, na derradeira madrugada, finda a obra, estendidos como páginas, pelo vale, os tijolos e os granitos onde ficava inscrita toda a ciência universal, os dois sábios, levantando as faces cansadas, louvaram o Senhor que lhes concedera tempo de cumprirem, para com os homens da outra humanidade, aquele dever final de fraternidade magnífica: – e do céu caíram lentamente, sobre as faces erguidas dos dois filhos de Seth, as primeiras gotas, pesadas e mudas, da grande chuva de Deus.


Eça de Queirós




Por cada manhã de prata nos é devido um entardecer.


Nem sempre um entardecer dourado, nem sempre uma noite de luz, mas sempre uma quietude de fim de jornada, uma pausa para recolher a sombra que pousa devagar e nos convida ao repouso, quantas vezes forçado por incapacidades inerentes ao corpo, que não ao espírito enquanto vivo. O ser humano é principalmente corpo enquanto ser, principalmente espírito enquanto humano. Mas é as duas coisas num só, ainda que o culto eficaz do segundo nos tenha feito avançar na escala de Darwin. Parece.


Parece também que o avanço de muitas coisas nos fará repensar outras tantas dadas como infalíveis como nada é, bem o sabemos. E é nestes entardeceres quietos, cada vez mais alongados, que apetece rever o caminho percorrido para ver se dali nos vem alguma luz para que a vereda aberta por passos incertos se torne caminho amplo de rota segura. Porque é preciso caminhar. E vem-me à ideia Rousseau, o pai ausente, que fez o mundo olhar a criança como uma individualidade a respeitar pela pureza de que vem imbuída, a preservar da maldade de uma sociedade adulta e tenebrosa. Constituída por homens que nasceram bons selvagens, lembro. É que alguns não foram pervertidos, pois no percurso da pedagogia por todo o século XIX e XX encontro o homem-menino Saint-Exupéry, Antoine, afinal o principezinho de todos os espantos.


Foi-se a infância, a juventude, a idade adulta com as pedagogias todas pecando por excesso, por inconsciência, por ignorância, por incompetência também. O que permanece é a idade última da vida que infesta a sociedade envelhecida que temos e peca por maioria. Infelizmente assim é em Portugal, não fossem os imigrantes a trazer alguma vida aos velhos.


E voltamos ao princípio, três séculos atrás.


É que aos professores aposentados deste país, «num apelo à cidadania», é agora oferecida, pelo governo, uma ocupação, não remunerada, para «formação de professores e pessoal não docente», «planeamento e realização de Acções de Formação para Encarregados de Educação», «apoio burocrático-administrativo», «desempenho de funções de tutoria», «apoio a programas de investigação», entre muitas outras propostas, sendo que «a Escola avalia periodicamente os voluntários».


Jean-Jacques, precisa-se, com urgência.


5 comentários:

Paula Raposo disse...

O teu post é excelente. Como é teu apanágio. Precisa-se mesmo de Jean-Jacques...beijos para ti.

jorge esteves disse...

Cá por mim, urgência por urgência, dou prioridade a um (outro!) país novo!...

abraços!

Manuel Veiga disse...

não "baralhes" o pobre do Jean Jacques e o seu "bom selvagem". rsss

não resistem aos dias de hoje.

gosto dos teus textos. sempre...

beijo

Justine disse...

Será que este des-governo tem alguma ponta por onde se lhe pegue??
Que loucura colectiva é esta, que não se cansa nem descansa?
Precisa-se, e mesmo com urgência, de algum bom-senso,alguma seriedade, alguma ética!
Bom fds

M. disse...

Que coisa estranha...