quarta-feira, janeiro 21, 2009

Momento

Sentir tudo de todas as maneiras,

Viver tudo de todos os lados,

Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,

Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos

Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.

Álvaro de Campos




Eu não tenho esta alma de poeta, decididamente.


Quero apenas não sentir tudo o que me assola, tudo o que me invade por todas as fendas que o cérebro inventa para mim. Quero não ouvir o chamamento dos bichos o grito da dor deles, quero não olhar os troncos desvalidos sem voz pousados no céu, não ver a imensidão de brancos pintados a azuis plúmbeos, nem sequer imaginar o lago quieto e manso bordejando a cidade.


Não ver, não tocar, não sentir coisa alguma. Fechar os olhos e com eles todas as torrentes que manam por dentro das pálpebras e se enrolam em nuvens escuras, todos os sons tinindo dentro de mim quando tudo deveria estar quieto.


Que a quietude chega sempre depois do vento. Desce em degraus suaves e caminha em silêncio, devagar, não vá acordar os sons, os murmúrios, os cantos, os brados, recrudescer em trovoadas.


Há sempre em nós o lado bom da esperança, da fé em qualquer coisa que é sempre um deus, seja ele o espírito dos mortos, uma imagem em barro, em talha dourada ou o último herói.



3 comentários:

pianistaboxeador21 disse...

Que cada um acredite em Deus como bem o conceber. E mais do que isso, que cada um acredite em si mesmo e nas coisas boas que é capaz de fazer, pois, se Deus está em todo lugar, ele tb está dentro de cada homem e de cada mulher.
E vc é poeta sim!
Abraço,

Daniel

Manuel Veiga disse...

gosto desse lado "panteista" (?) da vida...

muito belo. teu texto

beijos

bettips disse...

Penso que será o Canadá (onde está parte do teu coração...), branco e ouro, lindíssimo.
Neve que será água livre, rio que corre ou lago quieto. Vemos e ouvimos: nada sabemos mas sentimos as dores das palavras!
Enquanto leitoras "das coisas" que nos vamos descobrindo: é curioso que penso como o teu pai! Uma grande tormenta, juntaria as pessoas numa grande reconstrução onde talvez as mentalidades "renascessem" de tantos anos obscuros (ainda acho!!!). Até a guerra em África nos era ocultada, sonegada. Sofríamos quase em silêncio, espantados e compungidos, nós aqui. A não ser a família dos combatentes (e esta agarrava-se à igreja e aos desígnios de Deus...) aos outros não era permitido ter opinião ou rebelar-se. E era preciso tratar da vidinha que era dura...Eternamente amordaçados por não tomarmos, aparentemente, partido. Toda a confusão que se gera entre o que se diz e o que se faz. Eu também ando confusa, cansada. Tantos patos opinadores ...e tantos patos "bravos", sem estatura. A esperança, procuro-a, espreito-a nos olhos dos novos.
Um beijinho J.