sexta-feira, janeiro 09, 2009

Caminhar apenas


Segue o teu destino,
Rega a tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode dizer-te.
A resposta está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
Ricardo Reis



As estrelas sempre regeram a vida dos homens.

Pairam silenciosas sorrindo no escuro, repletas de mistério e poder, guardando todos os segredos, sugerindo todos os contos. Não mentem. Calam a verdade das origens e do fim de tudo, porque elas sabem dos homens e das coisas.

E porque as coisas mais belas, as mais surpreendentes, as verdadeiramente mágicas, são filhas das estrelas. Com a força do seu olhar, ensaiam a coreografia dos véus brancos que circundam a terra em bailados, que rodam como elas e trazem os ventos, a chuva, os raios e as tempestades. A geada e a neve.

Não é sem razão que alguns povos, fora da civilização adúltera que nos rege, mais simples, mais puros, mais verdadeiros, lhes apresentam os seus filhos após o nascimento, para que elas os conduzam nos caminhos da vida, nos ardores do corpo, nas ânsias do espírito.

Tudo afinal corre para elas na natureza ímpar que nos rodeia. São as árvores, os caules, as flores abrindo-se, o nevoeiro que paira sobre o rio, as labaredas depois do fogo. Até os vampiros da nossa imaginação escapam dos túmulos mal elas despontam no breu do infinito. Elas cobrem de veludo todos os actos a que emprestam a capa, onde o sangue não tem cor, o violador não tem rosto, a guerra não tem nome.

Mas são ainda as estrelas que caminham devagar, sem pressa, ouvindo todos os murmúrios, os cicios de amor, as alegrias da esperança, todos os risos, todas as saudades, também a solidão dos homens.

E um dia eles rodam com elas no caminho eterno.


10 comentários:

Heduardo Kiesse disse...

Genialmente ímpar!! Em Pessoa!

Meu abraço!

Paula Raposo disse...

Tão belas as tuas palavras!! Muitos beijos.

Rocha de Sousa disse...

Vejo aqui o entusiasmo que as suas
palavras provocaram em dois leito-
res. E com razão. Na presença da imensa abóbada de astros que nos envolve, que parecem mover-se deva-
gar e atingem velocidades abissais,
uma aparente harmonia parece reger tudo em belíssimas espirais, como as frentes frias que os astronau-
tas vêem brancas, fabulosas, da sua
nave vigilante. E o que se passa, enfim, é bem diferente: tudo é um vórtice em expansão e retorno, com ele serão os homens um dia atira- dos para o negro infinito. Os ho-
mens ou alguém que se lhes asseme-
lhe ao ser levado para parte nenhu-
ma.
É uma espécie de metáfora, bela e
aterradora.
Rocha de Sousa

Justine disse...

A beleza inatingível das estrelas, a beleza comovente do teu texto, o destino longínquo e tão próximo do homem...

Manuel Veiga disse...

gostei muito do texto. e da sua espiritualidade "panteista"...

beijo

Fá menor disse...

Poesia de amanhecer no coração!

Boa semana

beijinhos

vida de vidro disse...

Tocar as estrelas não foi sempre um dos sonhos do homem? belo texto, tão poético...**

aquilária disse...

belo texto, jawaa. e afinal, é com as estrelas que estabelecemos, por vezes, os nossos mais sérios compromissos.

(no domingo quase nos encontrámos, ao balcão do bar... :))

pianistaboxeador21 disse...

Muito bom, o teu texto e a epígrafe tb.
Abraço,
Daniel

M. disse...

De enorme beleza.