quinta-feira, julho 17, 2008

Tudo Passa

Não quero rosas, desde que haja rosas.
Quero-as só quando não as possa haver.
Que hei-de fazer das coisas
Que qualquer mão pode colher?

Não quero a noite senão quando a aurora

A fez em ouro e azul se diluir.
O que a minha alma ignora
É isso que quer possuir.

Para quê?... Se o soubesse, não faria
Versos para dizer que inda o não sei.
Tenho a alma pobre e fria...
Ah, com que esmola a aquecerei?...

Fernando Pessoa



Devagar, com a solenidade dos anos que a vida nos dá, sem a contagem dos dias, das horas, dos minutos inquietos, o mundo tem outro sabor.

Mesmo sem casa, sem rumo, sem afectos, a revolta aquieta-se na sabedoria do inexorável. Vem a noção correcta de que tudo passa a seu tempo, que a vida dá lugar à vida porque ela nunca se detém, como o pensamento, como a água do rio que sempre encanta pois nunca se repete, atrás de uma água vem outra, daí o fascínio. E a água respeita o delinear das pedras, afaga as areias, aconchega-se no leito, entrega-se inteira ao mar que a espera.

Também nós temos de estar abertos ao respeito pelos outros, para que esses outros respeitem o espaço que construímos e a que temos direito até ao último respirar.

É hora de passar memória, excertos do tempo eterno dos homens, da consciência do que deixamos às gerações do presente que serão o futuro. Sábios serão os que souberem ler os recados, aprender a dança das abelhas, farejar o trilho das formigas; os que aprenderem o caminho de regresso à praia das tartarugas, dos salmões subindo o rio.

A morte acontece mas não pára a vida.

5 comentários:

bettips disse...

Um acaso ter visto o teu coment. ao que te disse de filho-mãos(não tenho "alerta"!). Digo como sinto eu... por vezes acertamos o amor e a suavidade...
Ler-te (mesmo que não seja sempre, o tempo, o modo, eu apareço...) é também encantatório, descreves uma alma de sensibilidade para as coisas que aprecio. Digamos que por vezes os nossos pensamentos correm paralelos.
Beijinho

Justine disse...

Que serenidade na tua reflexão! Que sabedoria, na aceitação tranquila do que é inevitável.
Abraço-te

M. disse...

Só para dizer que estive aqui e que apreciei a tua tranquilidade.

Manuel Veiga disse...

texto sábio...

beijo

Anónimo disse...

"A morte acontece mas não pára a vida"

Grande verdade!

Gosto da forma como tens estes posts, um poema, uma reflexão.