terça-feira, junho 17, 2008

Inexoravelmente

No fim de tudo dormir.
No fim de quê?
No fim do que tudo parece ser...
Este pequeno universo provinciano entre os astros,
Esta aldeola do espaço,
E não só do espaço visível, mas até do espaço total.

Álvaro de Campos

Hoje, a noite chegou para mim de forma diferente.

Fui lá fora e olhei o céu, procurei as estrelas. Olhei o sul, talvez sueste.

Uma nuvem alongada e escura repousava quieta um pouco acima do horizonte e a lua branca, quase redonda, olhou-me serena, seráfica, afastando aos poucos os flocos brancos que a encobriam. Leu nos meus olhos a pergunta, as perguntas sem resposta. E ficou ali comigo aquietando-me quando tentava lembrar quando conheci o Rui.

Não sei, não me recordo. Quando eu nasci, já a sua companheira de quase cinquenta anos cirandava lá por casa, amiga preferida de meu irmão. Crescemos juntas, ela a menina sensata e doce que me era indicada como exemplo de compostura numa infância em que partilhámos tudo na terra longínqua que nos serviu de berço.

A continuação dos estudos na Metrópole. Obrigatoriamente.

Casaram nos Jerónimos, o copo-de-água em Carcavelos. Não sei a data.

Sei que levei a baptizar-lhes o primeiro filho, o Pedro, ao Sr. Bispo na Sé em Nova Lisboa, com meu irmão (que idade tens, Pedro?).

O meu irmão já não vai poder fazê-lo, mas eu, amanhã, vou estar convosco.

Vou levar a enterrar o Rui.

8 comentários:

APC disse...

Mais um fim, na aldeia-cosmo da tua vida. Sempre que vejo a lua cheia num c�u bem escuro, � de �frica que me lembro, mesmo sem lembran�a... De uma menina branca ao colo de uma ama negra; e se dist�ncia existe, � por falta de mem�ria do vivido. Contigo n�o � assim, e por isso, por momentos, hoje tudo te � t�o pr�ximo - at� aposto - do que costumava ser ent�o. Um abra�o de luar para ti!

APC disse...

(Vai ter que ir sem acentos)

Mais um fim, na aldeia-cosmo da tua vida. Sempre que vejo a lua cheia num ceu bem escuro, "E" de Africa que me lembro, mesmo sem lembrança... De uma menina branca ao colo de uma ama negra. E se distancia existe, "E" por falta de memoria do vivido. Contigo nao "E" assim, e por isso, por momentos, hoje tudo te "E" tao proximo - ate aposto - do que costumava ser entao. Um abraco de luar para ti!

Justine disse...

Belíssimo texto, nostálgico, dorido mas tranquilo. A dor pode ser assim.
Abraço

Manuel Veiga disse...

absoluto domínio da escrita. e das emoções...

gostei mto.

naturalissima disse...

Sentido!
Beijinho aqui deixado por mim

rui disse...

Olá Jawaa

És enorme! Transbordas de puros sentimentos.
Abraço

mena maya disse...

Uma comovente e bela homenagem,jawaa!

Beijinho

Rocha de Sousa disse...

Para este momento tão serenamente
abordado, lembrei-me de dois fechos
teatrais.
A saudosa Maria Matos, na sua té-
cnica naturalista, advertia um ini-
migo de várias faces,de pé, a ben-
gala estremecendo:
«As árvores morrem de pé».
E Brecht, na «A boa Alma de Tsé-Chuão»:
«Estamos desesperados e não é a brincar».
Rocha de Sousa