quinta-feira, abril 10, 2008

Eternidade


No céu também há uma hora melancólica.
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas.
Por que fiz o mundo? Deus se pergunta
e se responde: Não sei.

Os anjos olham-no com reprovação,
e plumas caem.

Todas as hipóteses: a graça, a eternidade, o amor
caem, são plumas.

Outra pluma, o céu se desfaz.
Tão manso, nenhum fragor denuncia
o momento entre tudo e nada,
ou seja, a tristeza de Deus.


Carlos Drummond de Andrade




A melhor aprendizagem da vida é saber estar só.

Acordar na noite longa e gostar da insónia. Ler, escrever o que os sonhos trazem à memória que não é, que nunca foi sequer, mas aparece real como as trevas. Entender o outro lado das coisas, entrar na alma dos que sofreram vexames, humilhações, dos que sofreram pela cor da pele, pela humildade de carácter, pela obediência a uma religião iníqua, compreender o incompreensível por décadas de educação severa, na intemporalidade do ser.

Acordar o espírito e não poder mexer o corpo, coordenar o sono para acordar mais tarde, corpo e alma juntos no mesmo pulsar, ou esforçar a mente, exigir do corpo que não responde a acção que ele não consegue executar. Que fio é este que não se liga?

Acordar é tão difícil, assim. E, se acontece, o sono é tão pesado que a vontade de não voltar a ele subleva uma enormidade de sensações capazes de construir um outro mundo. É então que o levantar acontece em passos titubeantes procurando sofregamente um copo de água.

A água e a eternidade vão bem no dicionário dos símbolos. Só pode ser. Mas a eternidade não existe por aí, só dentro de nós. Porque o corpo não a tem e não deixa que nos esqueçamos disso. Dia a dia. Compassadamente. Mas é bom que não nos olhemos ao espelho e façamos de nós uma pintura de Magritte, ao nosso jeito, olhando no espelho a nossa nuca ainda esguia.

Que bom, a chuva. Agora que os dias se espreguiçam mais e mais, que o frio já se foi, o calor vem aí, esperemos que manso. E o encontro do cheiro a maresia, das ondas, da areia, das pedras, das algas, do sol a lembrar uma outra eternidade.

10 comentários:

Manuel Veiga disse...

escreves muito bem. gostei muito do texto...

jorge esteves disse...

Fugidia dos entendimentos, como outras suas irmãs, a Eternidade raro se deixe prender nas linhas das palavras, mesmo que sedutoras nos ditongos ou na sensualidade das consoantes; por isso os Poetas a procuram...
(também se faz Poesia na Prosa...)

abraços!

Kalinka disse...

Bom dia
Belo texto.
Escreves: a melhor aprendizagem da vida é saber estar só...
estar só tem sido toda a minha vida, mas...acho que não aprendi a estar só e muitas vezes sofro pela solidão em que vivo!!!
Foi bom saber que visitas-me várias vezes, quando o tempo dá para voltas pela blogaria.
Estás no meu coração.
Bom fim de semana.
Beijos.
NOTA:só para dizer que vou escrever-te um e-mail, espero que o recebas.

Rafael Almeida Teixeira disse...

Gostei do comentário da TINTA PERMANENTE.

"também se faz Poesia na Prosa..."

Abraços Jawaa :-)

amigona avó e a neta princesa disse...

Há tanto tempo que não passava por aqui!!! Deixa-me dar-te um abraço...

Rocha de Sousa disse...

Ao lermos sem que a língua nos trema,fingindo na mente e nas mãos
a ondulação da escrita, sonhamos de
forma algo orientalizante a frase lapidar do «aprender a estar só», o
limite de tudo e de nada, essa es-pécie de beatitude que nos permite,
porventura, pairar acima do corpo e
das coisas duras da terra. Eu vou resistir a enviar-lhe um anexo com
a deriva peregrinante da aprendiza-
gem a partir desta harmonia de tex-
to e de ideias, uma meditação lami-
nar, fina e ao mesmo tempo florida.
E eis-me partindo para fora da sua
oferta. Teria que a ter debaixo dos
olhos, compreendê-la pelas linhas e
entrelinhas. Rafael:«poesia na pro-
sa»... e é bem pouco dizer isso, o
óbvio. Bem melhor seria dizer que escrever «tinta permanente» impli-
ca a noção de uma continuidade pen-
sante, a da tinta (corpo) feita permanecer: eterna. É a noss peque-
na eternidade,exprimir,testemunhar,
produzir objectos de civilização.
É assim que nos empolgamos com a arte Maia ou com o misterioso povo
da Ilha da Páscoa. Aquelas cabeças
são a sua permanência, a sua eter-
nidade.
Permaneça.
Rocha de Sousa

bettips disse...

Começo assim a sentir pesados, os sonos e acordares, das dificuldades de espelhar Magritte e sentir Escher. Na verdade, muitos dos pintores de quem gosto, espelham-me, íntimos.
Beijo, amiga!

rui disse...

Olá Jawaa

Gostei de ler o teu escrito sobre eternidade.

Abraço

M. disse...

Noite de insónia, tempo de pensamento...

Sant'Ana disse...

(muitas) Noites de insónia, todas pesadas de segredos que nem o dia me permite desvendar. Mas a solidão dá, permite.

Um beijo, Texto GRANDE.