sábado, março 08, 2008

Como Eles nos vêem ...



Parece que alguém ensandeceu num dos canais portugueses… ofertando, no Dia Internacional da Mulher, um programa dedicado a elas com um exemplar masculino – com os 206 ossos do esqueleto bem distribuídos, é certo – mas que só revela como as mulheres estão ainda longe de aceder às decisões de cúpula, neste país.

Em pensamento, estou hoje em Lisboa, ao lado das PROFESSORAS.

Aqui deixo, porém, algumas pinceladas de Mulher, pela mão de alguns escritores do último século, diferentes formas de lhe sentir o pulsar.



António Lobo Antunes:

«Concebi por Lana Turner uma paixão absoluta, exclusiva. Em momentos de desânimo quase penso que me não retribuiu. Mas o desânimo, claro, é passageiro, e o cabelo platinado, as sobrancelhas evasivas desenhadas a lápis, em semicírculos perfeitos, os vertiginosos decotes de cetim, o bâton escarlate, tudo me garante um amor eterno, eternamente partilhado. A filha matou o gangster Johnny Stompanato, seu suposto amigo

(nunca o amante, o amante era eu)

e ainda hoje lhe estou grato por isso. Usou a faca da cozinha onde Lana Turner, aposto, fazia salsichas com couve lombarda, o meu almoço favorito, a pensar em mim. Também não me agradava que beijasse os outros nos filmes. Mas talvez fosse melhor dessa maneira porque, se chegasse a casa com bâton e me desculpasse à minha mãe

– Foi a Lana Turner, anda perdida aqui pelo rapaz

receio que ela não levasse em gosto a hipótese

qual hipótese, a certeza

de o filho de onze anos casar com uma divorciada, porque isso afastava a cerimónia da igreja e nós éramos católicos.»


Miguel Torga:

«A mulher! Não me canso de a exaltar. O que o homem é a seu lado! Um Adão inocente, um Édipo perplexo, um Otelo cego. Flor emblemática da criação, perfumada de futilidade, só ela sabe pecar sem remorsos, procriar sem vanglória, entender sem lógica. E sofrer pragmaticamente, já que foi sempre a Antígona heróica da grande tragédia da vida. Dona do mundo e depositária do futuro, nunca o quis parecer, sequer. Gentilmente, deixou essa presunção ao pobre companheiro que, depois de tantos milénios de convívio, continua a revolucionar os tempos sem perceber que ela é o cordão umbilical da História.»


Virgílio Ferreira:

«É dentro de nós que idealmente possuímos a mulher, tentando aí a permuta de um "eu" e de um "tu" esgotando-se na nossa absoluta solidão, na destruição de tudo em volta, no instantâneo esquecimento do que nos rodeia e da própria realidade da mulher, a procura do que se não encontra porque não existe ou nos escapa.»


Aquilino Ribeiro:

«Ela tinha os olhos no chão, mal embrulhada na capucha de burel velho; ele estudava-a dos pés à cabeça e apenas lhe parecia mais olheirenta, mas o sempre-mesmo ar, tez mosqueada de sardas, a modo da pinta nas cobras, o seio alto e rijo no chambre estreito de flanela, a cinta bem lançada, toda ela mui magana no saiote vermelho. Aquele vermelho assanhado, cheio de cio nos poros, a feder a badulaque, escaldava-lhe o sangue. Fêmea de uma cana, já dizia o rifão, da galinha a preta, da pata a parda, da mulher a sarda!»


5 comentários:

Rafael Almeida Teixeira disse...

Que lindo Jawaa!

Palavras doce. Amei cada idealização, definição, em especial a de Miguel Torga e Aquilino Ribeiro.

Parabéns por ser mulher.

\o/ Afetuosos

M. disse...

Que excertos interessantíssimos! Lobo Antunes... a graça que eu lhe acho. Tão menino sempre. E a imagem lá no cimo é lindíssima.

Justine disse...

Belo modo de celebrar o dia da Mulher, não esquecendo os homens que estão connosco de mãos dadas.
Beijo

Manuel Veiga disse...

a sarda no rosto, meu Deus! ainda há? ao natural?!...

belos textos e bela homenagem...

Rocha de Sousa disse...

Quase ao contrário do que dizem estes seus leitores, e aplaudindo o
método que usou para celebrar o Dia
da Mulher, devo confessar que, sem demérito para os escritores citados
e suas escritas, todos me revelaram
uma qualquer divisão, no elogio e na graça, algo semelhante ao que alguém diria através de uma montra,
vendo «de fora» o OUTRO, mais ou menos em abertura ou louvor, mas
na distância da diferença. É um
sentimento estranho, este que sinto
ao ler o que homens notáveis disse-
ram, a certa altura das suas obras,
sobre um ser que afinal garante o nosso próprio sentido de ser.
sobre