quinta-feira, março 06, 2008

Andar no Céu



Assim tem sido sempre a minha vida, e

assim quero que possa ser sempre –

vou onde o vento me leva e não me

sinto pensar

Alberto Caeiro



Os homens todos deveriam saber voar.

Conhecer as nuvens do lado do céu, olhar a prata das estrelas, encantar-se com as cores da terra pintando a tela azul-verde dos mares. Encontrar-se deus varrendo do espírito a fealdade da sua carapaça, a rigidez do aço que assombra os seres do ar. Construído pelos homens para invadir o reino que não lhes pertence, não faz parte da paisagem, é um ser desconforme.

Ou antes, é belo, é perfeito, mas não é natural. Não tem leveza, não vibra com o sopro do vento afagando o bico, estremecendo as penas, não se entrega ajeitando as asas com a sensualidade da águia ou do condor. Preenche todavia a ambição de glória dos homens, o prazer da conquista, da caça. É um troféu.

É a diferença que vai entre a epopeia de decassílabos acentuados na nota inalterável, na sucessão dos cantos, na complexidade da obra ímpar que constrói uma História de homens e deuses , e a modelação livre e apaixonada de uns versos ao ente fantástico guardador dos mares:

«…Na noite de breu ergueu-se a voar;

À roda da nau voou três vezes,

Voou três vezes a chiar,

E disse, “Quem é que ousou entrar

Nas minhas cavernas que não desvendo,

Meus tectos negros do fim do mundo?”

E o homem do leme disse, tremendo,

“El-Rei D. João Segundo!”…»



10 comentários:

mena maya disse...

Que os bons ventos nos levem aos nossos destinos, Jawaa!

Belíssimo texto, gostei imenso de te ler!

O meu avô foi um dos pioneiros da aviação portuguesa e acho que ele ainda podia sertir-se pássaro naqueles aviões de papel...

Agora já vai na 4ª geração, a necessidade de andar por esses céus!

Beijinho

Rafael Almeida Teixeira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rafael Almeida Teixeira disse...

Nós brasileiros fomos os propusores dessa "a ambição de glória". Alberto Santos Dumont que o diga.
Impulsionado por essa glória Dumont imitou os pássaros, voou bem até 1914. Quando uma pane, chamada Primeira Guerra Mundial, de uma hora para a outra transformou seu sonho em pesadelo.

Abraços Jawaa.

croqui disse...

excelente blog! voltarei com mais tempo! parabéns

Rocha de Sousa disse...

É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol,levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes:
mais nada.

Alberto Caeiro

Sant'Ana disse...

Palavras de nuvens, poeta de heterónimos, fundo de fazer sonho aos olhos.

Boa viagem Jawaa.
Até à volta.
Um beijo

Manuel Veiga disse...

de facto os homens deviam saber voar.

e bem o tentaram quando conviviam com os deuses. porém, com "asas de cera". que derreteram...

Rafael Almeida Teixeira disse...

Gosto muito dos comentários desse blog, também.

\o/ afetuosos

Vladimir disse...

Acima de tudo darem asas ao pensamento........

vidavivida disse...

Tens toda a razão nas tuas observações do texto.
Como tenho saudades de voar!!!!!!!
Andar lá em cima sobre as nuvens e sentir todas aquelas emoções que nos fazem sentir vontade de lá permanecer por mais tempo, contando os minutos para o regresso, porque é chegada a hora de voltar.
É tempo de começar a pensar no novo voo e ansiedade de voltar, porque existe sempre um ângulo desconhecido que é necessário desvendar, novos horizontes por descobrir.
Que bom voar!!!!!!!!!