quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Ouvir os Sonhos


«…Creio que tudo é eterno num segundo,

Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,

Na flor humilde que se encosta ao muro,

Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,

Na ocupação do mundo pelas rosas,

Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen.»

Natália Correia




O céu não nos diz quando vai chegar a Primavera. Não envia bilhete-postal de flor abrindo, ou folhinha rompendo capa de tronco seco. Mas descobre-se em azul, azul, e fala ao vento para soprar mais manso, para voar mais quente.

E nós sentimos.

O céu também não fala sobre o Inverno que apresta um frio devastador de geada ou granizo ou tempestades de vento. Mas manda o sol passar mais baixo, deixa manchar-se de nuvens brancas que tinge escuras e fartas, crescendo em rolos, e faz troar e abrir as comportas.

E nós compreendemos.

Quando a terra vai tremer ou no mar se abrir uma fenda, o céu sopra os ouvidos dos seres que lhe escutam a alma para logo partirem a salvo da onda gigante que vem galgar os campos e as casas.

Só o Homem não escuta, afogado em desassossego.

O Homem esqueceu os cheiros e os sons da terra, o afago do vento, apagou o brilho das estrelas. É hora de abafar o ruído, chegou o tempo de fechar os olhos e ouvir a música do mar, desnudar-se e cobrir-se de sol, fechar os olhos e ouvir o que não tem som, mergulhar nas águas, fincar os dedos na areia grossa e agarrar os sonhos.

Com as duas mãos.

12 comentários:

mena maya disse...

Jawaa,
tão verdadeiras as tuas palavras!
Tanto desassossego!

Espero contigo, que nesta primavera desabroche em todos nós a necessidade urgente de voltarmos ao seio da natureza...

Rafael Almeida Teixeira disse...

Semana passada fui rever alguns parentes que moram no campo, conseqüentemente ter mais contato com a natureza; afinal eu moro numa cidade relativamente grande.

E gosto muito de apreciar a natureza, principalmente a campestre. Mas com o passar do tempo estava acostumado a não valorizar esse convívio.

Nessa mudança de rotina, tudo de bom aconteceu.
Depois de um dia verdadeiramente proveitosos. Dia em que gozei de cada orvalho, brilho de sol, canto dos pássaros, bater de assas das borboletas e do rio cada gota de água. Senti-me leve como uma semente de Dente de Leão.
Por fim, no fim de tarde apreciei o pôr-do-sol, logo foi escurecendo e nesse embalo do carpe diem fique a ver as estrelas nascerem. Coisa que não fazia desde quando era criança.

Jawaa seu blog me faz bem.

Abraços afetuosos \o/

PS: Gostaria muito de sua autorização para postar esse belo texto em meu blog. Tenho uma foto desse dia descrito acima, que cairia super bem.
Seja como for, desde já obrigado

Terra disse...

Jawaa,
Já te deixei no meu blog a informação que me havias pedido.
Beijinho grande.

Manuel Veiga disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Manuel Veiga disse...

"só o homem não escuta, afogado no desassossego", belas e lúcidas palavras.

abraços

rui disse...

Olá Jawaa

É urgente parar e absorver o que nos rodeia.

Lindo.

Abraço

Rocha de Sousa disse...

Passo devagar, vejo as palavras, e
perco-me nas mesmas memórias,sonhos
anunciados da Primavera, pelo céu e
pelas plantas, um Inverno sumindo,
os animais pressentindo mais do que
eu. Com a maior das simplicidades,
ao jeito de um palpite, de uma ve-
rificação breve,juntando a Natália
aos indícios da Natureza, jawaa oferece-nos, num sopro, todas as imagens capazes de uma expressão afinal tão complexa,os animais pressentindo o futuro, nós olhando certa flor, um céu desdogmatizado. O pássaro agita-se, nós arrastams os olhos por vagos indícios,toscas impressões. É como alguém dis num
comentário atrás: «Faz bem ler esta
prosa.»
Tenho estado a rever Tarkovsky:ele
sabia «pintar» a natureza humana, no desassossego e no pressentimen-
to da transcendência.

Rocha de Soudsa

M. disse...

Dois poemas lindíssimos!

Sant'Ana disse...

O regresso às origens, quando crianças não entendemos porque não se come a terra a mãos cheias ou se molham os pés porque a água do ribeiro é bonita.

Palavras puras, com cheiro de lavado e fresco.

Um beijo para ti.
Obrigado sempre.

Eme disse...

Há sempre para compensar aquela minoria prodigiosa que tudo capta, aventureira e livre, que decora cheiros,cores e sabores com os cinco sentidos. Felizes deles.
Texto belíssimo

Um beijo

bettips disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
bettips disse...

(a noite é longa e estou sem o meu computador...fui eu que me enganei acima)
Frágil no sentir.
Adoro flores; e camélias, muito.
Que a terra e as almas se inundassem.
É sempre um gosto ler-te e saber-te!
Obrigada
Beijinhos