sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Carnelevare

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
P’ra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
P’ra tudo se acabar na quarta-feira

Tristeza não tem fim
Felicidade sim


Vinicius de Morais






– Vossa Excelência não é lá muito dada às coisas da Cúria pois não?

Pois claro que não. Menos ainda quando era preciso repisar o Auto da Alma, com mais requintes, quando já o tinha considerado «uma estopada» no quinto ano do liceu. Isto nos velhos tempos em que não se tratavam todos por tu, professores e alunos; quando – discriminadamente – os rapazes eram logo tratados por senhor doutor e as meninas por minha senhora no primeiro ano de faculdade.

Sempre me fez espécie a história dos nomes dados às nossas Feiras: a Quarta de Cinzas, a Quinta da Ascenção, a outra ainda do Corpo de Deus, a Sexta da Paixão, a Terça Gorda.

Em relação a esta última, terei aprendido lá por casa que era terça-feira gorda porque calhava sempre em dia de lua-cheia, talvez relacionando com o facto de que era móvel em função das fases da lua. Nada disso. O domingo de Páscoa é que é decidido em função da lua – ocorrendo no primeiro domingo após a primeira lua cheia que se verificar a partir de 21 de Março, equinócio da Primavera – e para trás e para diante são então marcadas as datas, respectivamente, do dia de Carnaval e do dia de Corpo de Deus.

O Carnaval (na sua etimologia carnem levare que significa abstinência de carne) dá início ao período de jejum da Quaresma que termina na Páscoa. Ressalta aqui a função pedagógica da religião, no combate a um dos pecados capitais, a Gula, mas claramente caída em desuso, tendo como resultado o aumento de obesidade entre os cristãos. Como lei imposta não se cumpre, escreve-se em muito papel e muitos artigos numerados. Isso basta.

A razão de chamar-se à quarta-feira seguinte «de Cinzas» é que sempre me intrigou, mas lá me chegou a luz: esta festa marca a mortalidade de Adão, a condenação do nosso primeiro pai pelo pecado original: voltar ao pó, a tornar-se em cinzas, pois então. Os cristãos são assim convidados a purificar-se das suas faltas e a fazer penitência através da privação da carne.

Não simpatizo nem um pouco com as manifestações carnavalescas que proliferam por aí, mas respeito quem nisso encontra uma forma de evasão e renovação. Há quem ligue estas festas às Saturnais pagãs dos Romanos, estas realizadas por ocasião do solstício do Inverno, ainda em Dezembro, portanto, tendo por objectivo dar alguma alegria e coragem ao povo, num período de campos gelados, noites longas e aparente ausência de vida na natureza. Ofereciam-se então presentes: mel, doces, ouro e símbolos de felicidade.

Parece que a renovação existe, sim.

De uma forma ou doutra, num ou noutro tempo, os rituais repetem-se.


13 comentários:

Memórias disse...

Gostei desse apanhado histórico. E assim como você não simpatizo, nem um pouco, com as manifestações carnavalescas. Ainda mais aqui no Brasil, Bahia.

Abraços afetuosos Jawaa.

Rocha de Sousa disse...

Bonita e clara aproximação ao Carnaval, ajustando datas e histórias, mitos e metamorfoses consumistas. Não parece ser o seu «doce». E tem razão. O nosso encontro a esse respeito desconstrói a mitologia local, as orgias antigas, alucinações dionisíacas, preferindo a isso uma
pausa menos catártica e mais ligada
à qualidade intrínseca das manifestações superiores do espírito humano. Não por elitismo
ou denegações snobes, antes porque
nos recolhemos a gostos menos próximos da barbárie. Vejo que aderiu ao meu alerta através daquele carro do carnaval brasileiro, o Holocausto, farpa certeira (insert brutal) numa aparente festa que passa, afinal, pela legitimação transitória de
«artes» e fúrias corporais de gente que trouxe para a actualidade
mentes ensandecidas, num longo processo autofágico.
Rocha de Sousa

Manuel Veiga disse...

uma excelente abordagem do carnaval. gostei muito...

Klatuu o embuçado disse...

O Manuel Bandeira é que tem uns poemas excelentes sobre o Carnaval.

O que anda por aí é feira de mazelas...

Dark kiss.

Sant'Ana disse...

E ainda o cariz pagão: pelos nossos dias mantém-se a tradição dos caretos ou máscaros, vivos nas nossas regiões de TRás-os-Montes e Alto Douro.
As máscaras são de uma beleza grotesca, integralmente manuais... nada do que por aí se vende nas grandes superficies, silicones e outros plásticos.

Por mim passo a quadra, mas sabem-se bem os dias de lazer.

Um beijo.

PS.: Que bem me soube ler "5º ano dos liceus"!

Klatuu o embuçado disse...

P. S. Visita, participa: http://novaaguia.blogspot.com/

- até porque por lá anda uma gente a precisar de lições de além-mar!

bettips disse...

5ª ano do liceu, uma autêntica faculdade de conhecimentos (para quem era curioso)! E representávamos Gil Vicente.
Canto esta canção desde pequena e não gosto do Carnaval, a não ser como a tal manifestação de alegria para intervalar o inverno pesado. Cristãos de outros tempos, bem teriam de lutar contra o paganismo... Hoje a Gula, a Preguiça, a Inveja... enfim... vêm nos jornais com preço, tudo incluído.
Mas ia responder-te sobre a Chaenomeles japonica, que descobri nas minhas amigas e fui ver à wiki para confirmar. Dá uma espreitadela; em português a Ana Rámon chama-lhe marmeleiro japonês ??? E a piada é que eu não sabia, conhecia-a, amava-a, sem saber que a "orientalidade" mais uma vez me fazia um apelo.
Bjinhos

rui disse...

Olá Jawaa

Obrigado, por mais uma lição.
É sempre bom aprender um pouco do tanto que não sei.

A trepadeira é uma "Pyrostegia venusta", conhecida como bignónia.
O povo aqui, chama-a "Gaitas" ou "Gaitinhas", pois, soprando de uma das extremidades, emite som.
Se precisares de mais algum dado, estou disponível.

Deixo-te um abraço

M. disse...

Também não gosto das manifestações carnavalescas que por aí há, mas em tempos que já lá vão tive muitas festas de Carnaval em casa com amigos e amigos dos filhos que nos divertiram imenso.

Rafael Almeida Teixeira disse...

Memórias disse...

Gostei desse apanhado histórico. E assim como você não simpatizo, nem um pouco, com as manifestações carnavalescas. Ainda mais aqui no Brasil, Bahia.

Abraços afetuosos Jawaa.

Rui Caetano disse...

Informação pertinente, tendo em conta a época em que vivemos. Gostei de saber.

Eme disse...

Simpatizo apenas com o feriado. Com a pausa para respirar. De resto, o que tenho visto é piroso e rídiculo e vale ao menos às crianças. Relembrei contudo as memórias do "Mardi Gras" francês. Em França não havia carnaval até este ano ter sido surpreendida na TV com a adesão à quadra! O Mardi Gras era apenas o dia em que se faziam os tradicionais crepes franceses, bem gordinhos...

Bisous

mena maya disse...

Em Berlim não há grande tradição de Carnaval, ao contrário de outras cidades alemãs.
Em Rottweil é muito diferente e interessante.
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